quinta-feira, 22 de abril de 2010

Pargo e Outras Histórias, Livro de Contos de Araken Vaz Galvão

Pequena Resenha Critica

As Contações de Araken Vaz Galvão em seu Belíssimo Livro “Pargo e Outras Histórias”

“Meu destino me chama”

Hamlet - Shakespeare


-Quem toca um ser humano, toca um livro, disse Walt Whitman, poeta-norte-americano, ele mesmo uma tremenda vida-livro. Foi essa frase que me veio à mente, quando coloquei a mão no livro “Pargo e Outras Histórias”, do ex-líder revolucionário (Anos 60/70), escritor e jornalista Araken Passos Vaz Galvão Sampaio, um brasileirinho bem brasileiríssimo nascido na Bahia e crescido na força e luta, no amor e na dor, nesses sertões de tantos brasis gerais de nosotros - de muito ouro e pouco pão - e mesmo nessa nossa explorada América latina de lágrimas de sangue. Com formação em História e Cinema (Uruguay – na condição de exilado), agora um paladino da cultura que tem um acervo de mais de 2000 livros e batalha como promotor cultural em Valença e redondezas.

Todas as histórias (ficções, memórias, contações, narrativas de luzes e peregrinações) dedicadas a alguém em especial; contas, elos de um mesmo diadema-dilema; sobreviver... As acontecências da vida-livro de Araken geraram um mosaico de escritos de suas andanças, e da obra já diz a prefaciadora Gerana Damulakis: “São histórias essenciais(...) e imprescindiveis, não apenas por capazes de nos cativar, mas porque, além disso, são factíveis de não necessariamente estarem atadas ao tempo e ao lugar onde se passam: elas simplesmente nos alcançam(...).” Escrever é explorar vazios? Pedro Bandeira diz que nos livros estamos todos nós, está a humanidade, estão os registros de tudo aquilo que somos, que amamos, que esperamos, que queremos transmitir para o futuro.

O autor de per-si retrata (in, pg 15 – Confissões, Nada Mais), dizendo na espécie de apresentação da obra: “Não se tratava de fazer apenas aquilo que mais amo: escrever. Tratava-se tão somente de uma maneira de preencher vazios, quase sempre criados pela solidão, fosse ela a solidão sobressaltada da vida na clandestinidade, a nascida por imposição do isolamento nas prisões da ditadura militar, ou ainda a oriunda ao acosso desta mesma ditadura, ou mesmo a do exílio, quando se sente uma solidão sem raízes e povoada de saudades reprimidas(...)” Só os corajosos são sábios, diria Ardis Whitman.

No conto “Amnésia” (pg 19), o autor narra um quase causo, que na interleitura propositalmente pode parecer contradição, pois avança, recua, quase inventaria também, na própria metalingüística que no rol da história parece uma daquelas que o povo conta e é; do oral para o letral. Os contos são datados, como dedicados. “Circulo Vicioso” (D.I.U.) é belíssimo, criativo, cênico. Que filme de vanguarda daria. Já “PARGO” – que nomina o mosaico de ficções – é tristemente denso, ao mesmo tempo que terno, poético, muito lindo. E nele o escritor alumbrado cita Helio Pólvora “Não sou historiador, sou ficcionista – e o que me atrai em literatura é a fantasia, a criação. A exatidão me repugna”. E vai por aí o bolero enlivrado. Em “Laicra, Nunca Mais”, o irônico se acentua, sem o autor perder a mão, antes, feito ourives, dá a cada tópico frasal seu quinhão de vida dura, luta brava, seu olhar sensível, talento criacional também, sem perder a ternura jamais, antes, até gracioso também. No conto “Os Mortos” – talvez o melhor conto do livro – vê-se (lê-se) a dor, o horror, o estertor da vida, a ditadura dos mortos, os coturnos dos mortos-vivos, torturas entre ratazanas. Tristices. E o extraordinário, fantástico. Os zumbis muito depois de Palmares, em tempo de trevas da chamada Canalha de 64 (Millôr Fernandes)?. O que resta é um grito pardo no ar. A datação referenda. Escrito em Montevidéu, 1970. Um auto de exílio?

Em “Amador”, Zac é o personagem belamente historiado. Lindo e gracioso trabalho, das peripécias de um bon-vivant no moreno pais tropical em sua latinidade sensual. Daria um minissérie bem sex-brasilis. Já em “A Volta do Paraíso”, retrata-se a descoberta do amor, a iniciação, nos porões da memória, o sexo, o prazer, a vida, as contundências de. No causo “O Jegue”, a cultura, o folclore, o prisma popular... e as lágrimas. “Pássaro Pintado”, então, é maravilhosamente triste, as tintas (inclusive narrativas) do autor contam/pintam um quadro belíssimo. Ah a desnatureza humana... “Bode Velho”, outro conto, é o menino lembrando, os frutos de ser criança... até desaguar nas palavras que parecem tocar crepúsculos íntimos de cada um, o tempo-rei e seus curtumes; vejamos a qualidade do contar:

“Mas o menino queria falar das laranjas, de Cabrito (o burro baio), da casa onde nasceu, da fazenda Veneza, que era do seu avô, onde ele estava chegando montado em um burro, trazendo um saco de laranjas. O menino queria dizer que ele não era seu próprio avô, não era avô nenhum, que ninguém podia envelhecer assim, tão de repente. Quis gritar. Eu não sou meu avô. Mas só consegui balbuciar “Cabrito, Cabrito”(...)”

Na história “Precisa-se”, o mata-borrão do tempo... os rastilhos das memórias... a mão criadora no auge. Ah as relações humanas ao grau máximo.Verônicas e Walkírias entrelaçam as vidas dos sonhadores... Viver não é grátis, custa caro. A seguir, no mesmo diapasão, o escritor Araken entabula “A Alma Feminina”, feito a vida imitar a arte, a arte musical retratando despertencimentos das trilhas e macadames vida, o José (do poema de Drumonnd?) se indagando “Para onde...”? (E Agora, José?). Confesso que bebi... confesso que vivi (Neruda), ou confesso que sofri? Tudo a ler. E dizem que a alma humana na verdade é feminina... Vá saber... “Tarde demais”, outro trabalho, uma espécie assim de crônica-conto que evoca Mário Quintana, mas é ao mesmo tempo a cara e a coragem do autor, ele também partícipe do açougue das almas. Nunca é tarde demais para lembrar... escrever, dar testemunho, contar; o olhar restaurando cisternas e olhos d´água, fermentações e lamúrias revisitadas, para não dizer que não falou de flores....

“Doce Amargura” diz de contentices e prazeiranças, amargura-ilha, sentimentos de vida, do mundo, dos que resistiram. Sobreviver dói. E a sopa de letras como que se nos alimenta, feito uma angústia-vívere entre rupturas e paradoxos de nós mesmos. A dor da gente não sai no jornal, cantava Paulinho da Viola. Por fim, o último conto, “Ela é Carioca”, em que todo trabalho é feito de pérolas musicais, citações, a beleza da vida, dos corações, os escritos que, afinal, vão dar em nós mesmos, mais os compassos da vida, os companheiros de jornada, a harmonia da criação, a arte de escrever que Araken com qualidade transforma em canção e poesia. Quem toca esse livro toca toda uma vida aberta em páginas preenchidas de uma existência que se reafirma, numa busca, num sonho, no prazer de estar vivo apesar de tudo. Afinal, talvez, só exista uma caminhadura: uma trilha para dentro de nós mesmos. E depois disso, eis a obra, eis o autor, eis o livro, “PARGO e Outras Historias”, um belo testemunho de vida, entre vivências e descobrimentos, feito um espetáculo literário da própria existência, e ainda pela perseverança do escritor ARAKEN VAZ GALVAO.
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Silas Correa Leite
E-mail: poesilas@terra.com.br
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