domingo, 16 de agosto de 2009

O Livro de Contos de Gregorio Bacic




Pequena Resenha Crítica:

O Livro de Contos “Olhares Plausíveis” de Gregório Bacic Revela Horrores Contemporâneos

“O pão que trago comigo/Não é pão/
É fogo/O vinho que trago comigo não
é vinho/É sangue/(...). E todos hão de
beber/Do fogo e do sangue”

Carlos Nejar, a Genealogia da Palavra

O belo livro de contos modernos, “Olhares Plausíveis”, de Gregório Bacic, Editora Ateliê Editorial, SP, 2009, é um verdadeiro conjunto de retratos da própria urbana modernidade aloprada, com enfoques irônicos como se literais pontos de fuga do horror consciente da miserabilidade social do ser humanus... Humanus? Nessa espécie de narrativas como se num labirinto denso – entre surpreendentes e epigramáticos contos infantis para adultos – aqui e ali algo edipiano, retrazendo uma infância a uma irônica ótica adultizada, Gregório surpreende pela mão pesada e feroz, mas consciente. Desconforto existencial contra a vala demoníaca da mesmice envenenada do mundo contemporâneo em crise?. Os contos são verdadeiros retratos da miserabilidade humana nesses nossos tempos tenebrosos.

Olhares plausíveis na ficção, portanto. Entre o imaginário contundente e o real inventado pra clivagens, os seres-refugos; para muito além dos refúgios historiais, um consciente escritor dizendo de inconformidades, incompletudes. E, ironicamente, provocações, despojos letrais. Na verdade, “gavnós” (merdas em russo), de todos os tempos e lugares sociais, tudo condensado no aqui e agora; liquidificador de convergências investigadas e situações de aceitações frívolas. Restolhos de luzes na ribalta de atos descontínuos.

O diferente é necessário, meio que berrando a alucinação humanista desses consumistas tempos efêmeros.

Os contos, naturalmente, como se sem querer mas literalmente interligados, têm arames e costuras entre si. Como se um pequeno confeito-mosaico de romance-novela. A cidade grande (qualquer lugar-cidade), metrópole embrutecida com seus parafusos soltos nos arranjos descomunais de insanidades sistêmicas, que dão vernizes novos a podres velhos. Estruturas sócio-afetivas sórdidas. Cada um, um sítio de si mesmo. Ilhado e perdido com poder aquisitivo e falta de crivo ético. Gregório Bacic entende do riscado e, ironicamente com todo o peso literário que lhe é peculiar, coloca dedos em feridas aparentemente saradas apenas na estética formal. Tudo igual para não acontecer mudanças dentro do nada humano ou sensível. Quase um circo cênico, em que o autor coloca as tripas pra fora com mão de ourives, meticuloso, cirúrgico, mordaz.

Textos testemunhais enlivradas após olhares altamente críticos. A face das condutas e contudências insanas.

“O mundo avançou para permanecer o mesmo”, escreve ele numa das orelhas que salta aos olhos. E o autor une joios perolizados e sombras de trigos imprestáveis. Destrincha situações de mesmices e permanências. As clivagens sociais que vão além das históricas dívidas impagas. O corte frio apontando pangarés, pequenos seres, seres fracotes, tudo muito denso no peso do olhar do autor. Somos todos iscas uns dos outros? O inferno são as iscas. O conto “Plausível” um verdadeiro achado (criado) é assutador até no que não diz, no implícito sem reticências. Não há sensíveis nas ruínas amorfas dos sentimentos neutros. É preciso dar nomes às fuligens plausíveis. O conto “Demônio Inerte” por si só daria uma cena instigante em texto de Bertold Brecht.

Ser feliz é falta de remorso ou só consciência cínica?

“Atas da ABREME”, um conto seguinte, é a figuração de um corte de caco de espelho sujo na alma das aparências; cada um, claro, com sua leitura subjetiva pondo ainda mais fermento na purgação. Até dói. O vinagre como a lágrima da alma destroçada na releitura. O conto “A Olho Nu”, com retratos das disparidades da própria loucura humana. Ninguém é normal de perto e os loucos são perigosos para o sistema das aparências. Para o escritor, é como se não houvesse culpas e nem culpados, ele não julga e nem distorce, narra o horrendo. Há fatos. Teatro letral em 13 atos-monó-(Logus).

A fúria da literatura destrinchando vulgaridades em lampejos, contando de mediocridades existenciais contemporâneas, vergonhosamente atuais. Fotogramas dessa época de uma desordem econômica globalizando neuras. A degradação da grande massa populacional. Os insensíveis entre os incuráveis. Sangrias de todo tipo, pestes diversas. Pior, talvez, que os miseráveis, os irrecuperáveis... os aceitadores de mordaças e cabrestos...

Descobrimos a nós mesmos nos escritos alheios? A mediocridade humana dando literatura de primeira grandeza, é o que se lê no livro de Contos “Olhares Plausíveis”, quando Gregório acerta a mão e pinça lances, quadros cênicos, desde a falta de denodo da condição humana, feito um jogo de cena dando voz aos incompreendidos, aos limitados, aos aceitadores de tudo (os insensíveis), ao próprio embuste sócio-existencial da grande maioria da população entre operários, executivos, crianças, famílias em seus tantos descaminhos, inclusive e principalmente sócio-afetivos. Como desconstruções de seres abomináveis.

Cineasta, Gregório Bacic que criou e dirige o programa Provocações da TV Cultura de São Paulo, sob a direção do polêmico Antonio Abujamra, tem seu estilo todo peculiar, límpido, e ainda assenta na veia: “Às coisas que percebi; que vivemos numa época em que as tecnologias e os conhecimentos especializados encurtam tempos e distâncias, em que o mundo e as coisas mudam rapidamente para que... nada mude”. Ferino e verdadeiro.

Quer mais? Só lendo o livro. Se a função do artista é dar retoques delatadores de seu tempo insano, testemunhar vicissitudes, desajustes neurais inclusive, Gregório Bacic aqui exemplifica a função da arte literária em alta qualidade. Depondo: a tecnologia em alta e o humanismo em baixa. Contundências. Pois é, tudo isso denota a própria contação diferenciada do autor. O ser humano perdeu a sua consciência de estar no mundo? Antonio Lobo Antunes disse: “Meu desespero estava na impossibilidade de me levantar e dizer “Não é isso!”.

Pois Gregório Bacic, já autor de “Peão Envenenado e Outras Provocações” (Escrituras Editora, 2002) com seus novíssimos e algo venenosos recolhes, detona uma crítica sociológica no que escreve com qualidade, como se com todas as letras reafirmasse Gay Talese “Há sempre uma parte da vida do escritor que é ser escritor. Não importa como viva(...) É a sensibilidade isolada do escritor, o estado de alerta, a separação – como escritor você se separa dos outros o tempo todo.”

As histórias que contamos passam a nossa consciência a limpo?.

“Olhares Plausíveis” tem esse enfoque especifico: olhar o que parece que ninguém vê; (mas existe, acontece, dói), sentir a dor do outro e de alguma maneira escrevê-la com consciência, mas, também e principalmente com e por isso mesmo deixar que o leitor sinta, julgue e pense a respeito de tudo que se enquadra como colagens de cenas do cotidiano, meio Amodóvar, meio Glauber, sempre ele mesmo.

Com se com essas aberrações sobrevivenciais desses nossos tempos, ao narrá-las, tentasse provocar a própria consciência humana do humanus. E mais não digo. Leiam o livro.

Silas Correa Leite – E-mail:
poesilas@terra.com.br
Blogue: www.ports-lapsos.zip.net
Autor de O HOMEM QUE VIROU CERVEJA, CRÔNICAS Hilárias de um Poeta Boêmio, Giz Editorial, SP, no prelo.

BOX:
“Olhares Plausíveis”, Contos, Ateliê Editorial, SP, Edição 2009
Autor: Gregório Bacic
Site:
www.atelie.com.br - E-mail: ateliê@atelie.com.br


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