sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

NEUSA, POEMA DO REENONTRO





N E U S A - A PRIMEIRA VEZ

Para Que as Ausências Não nos Matem no Encontro

“Na Casa do Pai
Há muitas moradas”


Para Minha Irmã Neusa Correa de Morais


Não é todo dia que se conhece uma Irmã
Uma irmã que sempre existiu
Que você sabia que estava em algum lugar, como uma lenda
Uma irmã como parte da herança que o Pai deixou
Uma irmã de nome NEUSA.

Não é todo dia que se está preparado para morrer
Ou para chorar o suporte doloroso do primeiro Encontro
Para receber a irmã e, em alguns minutos e transbordando lágrimas
Abraçar toda uma existência enorme de mais de meio século
Tudo ali num minuto como um pertencimento final de ausências revisitadas.

Não é todo dia que você encontra uma irmã mais sábia que sobreviveu
E também quase morre cinqüenta e seis anos em apenas alguns minutos
E quer que o abraço de encontro dure 56 anos como se a compensar ausências
Porque o abraço de almas gêmeas do mesmo DNA têm sangue, lágrimas, e, ainda mais
Dias, semanas, meses, anos - que se foram; e agora tudo ali se juntando numa fusão
Leite e mel na condutividade espiritual como ouro, incenso e mirra...

Não é todo dia que se vira 56 páginas de abraços, rostos colados num único encontro físico
Com potes de lágrimas em louca emoção, coração, alma; e o choque
Pois é o espírito que ama o espírito
Antes do abraço demorado tentando construir e conter 56 anos num só instante.

.......................................................................................................................................

Quase morri esse dia
(Acho que na verdade de alguma maneira nasci de novo esse dia)
Mas, se eu morresse esse dia, janeiro em Itararé
Eu certamente depositaria no céu
Aos pés do meu Pai Antenor
O meu despedaçado coração
E depois do abraço em pranto, muito além do vale da sombra da morte
Eu ainda teria as cores, sons e tintas dos olhos da minha irmã Neusa
E então, finalmente recomposto, diria ao Pai:
-Eis aqui o teu filho. Eis as minhas mãos molhadas com as lágrimas de tua filha Neusa
Eu trouxe o coração dela, Pai
Dentro do meu coração arrebentado, Pai
Para deixar aos teus pés, Pai
Porque agora, finalmente, o Clã Corrêa Leite está completo

TEM A LUZ QUE FALTAVA

UMA LUZ CHAMADA NEUSA

-0-

(Itararé, Janeiro, 2009, Chuvas e Lágrimas)

Silas Correa Leite, Primeiro Rascunho
E-mail:
poesilas@terra.com.br Site: www.itarare.com.br/silas.htm
Blogues:www.portas-lapsos.zip.net
www.campodetrigocomcorvos.zip.net



(Na Casa do Pai Há Muitas Moradas) – Familia Correa Leite em Sépia

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Maysa Cantora: Cantagonias da Voz Mais Triste do Brasil




Artigo-Homenagem


"Cantagonias" da Cantora Maysa
A Mais Triste Voz da Boêmia MPB


Para Everi Carrara


Ela cantava como quem punha tudo em pratos limpos, isto é, ela mesma no contrapeso da balança existencial. Maysa cantava suas dolentes sombras e escuridões, entre pausas e semifusas, pondo a sua insana dor de cotovê-lo pra fora do ser angustiado que era. Maysa cantava com sua voz diferenciada, sua alma triste, a mais triste voz da MPB boêmia por atacado. Maysa era a voz-lamento, numa espécie de banzo-tropical-latino contra muros e cincerros, ela mesma, alma em arrebentação íntima. Mulher bonita, livre, independente, tinha opiniões saradas, remando contra as marés bravas de uma carioca e burguesa sociedade hipócrita, assim, destilou veneno, sangrou-se, lavando a alma, dos porões do inconsciente trazendo revoltas, iras, mais a suprema determinação de ser sempre ela mesma, apesar de tudo que se lhe vinha ou entornava o caldo. Existindo arrastava suas correntes? E cantava como se escorrendo as lágrimas-letrais em música, harmonia e ritmo. Nunca houve nenhuma outra sequer parecida com ela. Maysa era seu próprio repertório datado. Já pensou que dilema? Nos bastidores, na solidão do camarim, um copo de uísque na mão, ninguém sabe a dor de quem se coloca pra fora naquilo que faz, por isso mesmo arrebentava como cantora, artista, mãe, mulher, humagente, e ainda um mundo caído no sensível coração arrebentado.
Num país sem memória para com seus ídolos portentosos, em que a absurda máquina televisiva arrebenta as poucas memórias artístico-culturais ou cria infames núcleos estrambólicos de "nadas e ninguéns" (e algumas oxige-Nadas) batizados com a fama sazonal em vernizes fúteis e luzes falsas, finalmente a Rede Globo vai trazer um levante de sua vida-livro, certamente que um novelo envelopado pra consumo, porque Maysa não era pop, muito menos favorita, talvez até fosse uma louca desvairada que colocava os pingos nos dáblios, se reportando como sobrevivente social nas canções em que extravasava o espírito com tantas inquietações. Cantar era seu remanso.
Porque quando Maysa cantava, todas as rotações transcendentais da vida paravam para ouvi-la. Porque ela punha o exato tom certo, a perfeita respiração certa, o silêncio encorpado, o timbre que rebrilhava na interpretação de humanismo-dor, de ternura-dor, de romantismo-dor. E o ser humano é construído e refeito na dor. Maysa sabia sobreviver cantando. Pedir socorro cantando. Tinha uma tragédia ao veicular a composição com sua personificação lítero-musical-existencial. A ostra não canta a dor em som, mas em estética pérola. Maysa perolizava a música com sua dor quando soava. Porque Maysa cantando se livrava dos fantasmas.
Quem mal a amou, armando-a? Foi isso? Maysa tinha sim, uma cantoria cheia de lágrimas. Era da natureza dela ser a coxia no palco de si. Se fosse escritora, seria Clarice Lispector. Tinha sua cantação lispectoriana. Clarice com sua ficção-angústia, Maysa sua interpretação-angústia como marca, estilo todo próprio de ser e de se defender. E assim compunha a música-composição como se destilasse o labirinto-absinto de suas cantagonias. O que Lupiscínio etilicamente fazia com suas brilhantes composições marcantes, mas cantando, soando, era uma moça, manteiga derretida, voz fina, Maysa cantando era a ferro e fogo e paixão, não impostando a voz-veludo, mas dando a tristice certa no caldo da própria exposição cênica-sonora.
Aqui e ali, na casa de um amigo de grosso quilate, está o long-play da Maysa, a fita-cassete, valendo ouro, como um som-documento de uma voz que se calou a partir de uma tragédia. Uma ponte enorme, ligando continente ao mar, a tirou de nós, como uma metáfora de travessia, desembarque, ilha. Sim, ela bebia, fumava, brigava, amava, odiava, existia, tentando achar seu fio terra, decompor-se muito além das arrebentações da pilha cósmica do universo. Cantar era como se clamasse no deserto. Sua vida-documento testemunha fermentos e purgações de uma mulher fora de seu tempo, moderna e além de tudo ferida para ser livre, incomodar, despertar consciências.
Maysa foi única e foi tantas, múltiplas. Meio Elis, Meio Celly Campello, meio Aracy de Almeida, meio Dolores Duran, meio Nana Caymi, meio Clementina de Jesus, inteiramente personagem de si mesma, alma aberta. Mas seu mundo caiu. E quando mais fina a flor, mais depressa é recolhida. As flores mais bonitas são colhidas primeiro. Você, de alguma maneira, literalmente VIA a agonia naquilo que Maysa cantava, destilando seu vinho-verso-verbo. Há mitos, lendas, verdades, mentiras, invencionices. Mas para saber exatamente quem foi (quem é) Maysa, à beira mar, um chopinho e um luar, arrue uma vitrola de garagem, com aquela bolachão como se tivesse riscado - a agulha do tempo? - e deixe rodar o disco de Maysa. Ouvir Maysa é credenciá-la com testemunho de um tempo e as amarguras femininas desse tempo. Ouça, sinta, capte, depois, diga lá coração, diga pra mim, se a flor-fêmea Maysa não foi muito mais do que as memórias lhe dão crédito? Maysa cantava, como quem cortava os pulsos. Intrépida, louca varrida, poeta, sensível, feminina e romântica, livre com sua solidão-albatroz, num mar de sargaços.
..................................................................
O ultimo a chorar, por favor, por favor
Apague a luz do abajur cor de carne
Enquanto Maysa canta toda a inesgotável dor
De não amar. E de não viver em paz.
-0-

Silas Correa Leite - Poeta, Compositor, Boêmio, Inventariante de Cenários
Santa Itararé das Letras-SP
Terra do Maestro Gaya, Rogéria Holtz, Regina Gonçalves, Regina Tatit, Carlos Casagrande, Jorge Chuéri, Luiz Antonio Solda, e tantos outros artistas
E-mail:
poesilas@terra.com.br
Blogues: www.portas-lapsos.zip.net
OU: www.campodetrigocomcorvos.zip.net
Texto da Série: "Se Você Não Está Lembrado"
(Crônicas Musicais e Memórias de Bastidores)