segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Ilumideias, o novo livro de haicais de Silas Correa Leite


ILUMIDEIAS, HAICAIS – Resumo, o livro novo de Silas Correa Leite

Apresentação:

haicai é o denominador comum das poesias todas” Massau Simizo

o haicai tradicional tem 5/7/5 sílabas. os haicais têm de ter gracezas, barulhanças, contentezas e sacadas de prismas rápidos em chips poéticos mínimos, como batatinhas com shoio. a sonoridade e graça fazem parte do haicai primitivo, japônico, tradicional. no Brasil foi inventariado, introduzido e refabricando com qualidade risadora pelo poeta Guilherme de Almeida. o haicai moderno, por assim dizer, tirou métrica e rima, desengessando-o, bem como tirou a própria necessidade formol de dar sentido à natureza neles/deles, mas sendo, no nosso caso, brasileiríssimo. um haicai tropical, bem brasileirinho, com closes, inshits, fragmentos líricos, emotivos, ótica nuclearizada de um breve momento trazido à luz, à arte, ao quadro cênico de enlevo ou mesmo situação clicada e retomada (quando não enlivrada) no breve, no três por quatro do lambe-lambe, no leve, no zenboêmico contemplativo que seja, epigramático e alucênico. Bashô disse: “não siga os antigos, procure o que eles procuraram”. aqui um inventário de cenas rápidas, twitterpoemas feito twittercotas, mais ironias risadoras, ou retratos 3x4 de hilários desatinos cotidianos. os links rotulados “silas e suas ‘siladas”, entre poeminhos curtos, bateia de granizos, haicloses urbanos ou caipiras (de Santa Itararé das Artes), ou mesmo de sampa, “da força da grana que ergue e destrói coisas belas”, caetanear, por que não? nessas linhas de humor, lorotas, bravatas, quando não experimentos neoconcretos entre tercetos e afins e, rápidos e rasteiros, prismas nevrálgicos, contundentes, fragmentos de óticas depuradas em cirúrgicas palavras estrofadas, sintetizando janelas, tops de linha em toques epigramáticos e assim buscando/sacando, drops letrais, jujubas, emoções com a faca entre os dentes, deleites derramados e, claro, aqui e ali, possíveis trovas, quadras e levitações zenboêmicas no varejo, estados da alma, desvairados inutensílios, desaforismos, disparates, porta-lapsos, cantilenas refabuladas, parlendas revisitadas, limeriques fakes, e algumas tiradas como pensagens (pensamentos-mensagem), ou pensadilhos (pensamentos-trocadilho), em colheradas sacadas como ‘mãos ao alto’, do teclado do computador de/compondo letras, tudo feito uma espécie assim de um ‘silasbashõ’ em teatro no regurgitar pelos cotovelos. desdizeres entre um saquê e um catatau de mixórdias em sachê de enlivramento, taí: iluminuras-ideias, eis o neologismo lustral: ilumideias.

ciberpoeta silas corrêa leite

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sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Primeiras Páginas do DESJARDIM, Muito Além do Farol do Fim do Mundo, Romance, a venda no site Amazon, para ler no Kindle


ROMANCE DESJARDIM, RELEASE

DESJARDIM - Muito Além do Farol do Fim do Mundo                

Romance - Silas Corrêa Leite

DESJARDIM – Romance

Este livro é um dos primeiros a ser escrito em quase cinco anos, pelo blogueiro e ciberpoeta premiado, Silas Corrêa Leite, depois de um e-book de sucesso na web chamado “O Rinoceronte de Clarice”, primeiro livro interativo da rede mundial de computadores, que foi destaque na mídia, inclusive televisiva, e que virou tese de mestrado e doutorado, além de autor de outras obras, várias inéditas. O autor venceu Primeiro Salão Nacional de Causos de Pescadores/USP, foi ainda premiado no Mapa Cultural Paulista, ganhou outros concursos literários de renome, como Ficções & Fantástico (Microconto) e Prêmio Cancioneiro Infanto-Juvenil, Instituto Piaget, ambos de Portugal;  Prêmio Literal da Fundação Petrobrás(Curadora Heloisa Buarque de Holanda), Prêmio Biblioteca Mário de Andrade/Poesia Sobre SP (Secretária de Cultura Marilena Chauí), Prêmio Lygia Fagundes Telles Para Professor Escritor, Prêmio Paulo Leminski de Contos (UNIOESTE/PR), Prêmio Ignácio de Loyola Brandão, Prêmio Valdeck A. de Jesus, Salvador/Bahia, com o livro “O Homem Que Virou Cerveja” (Giz Editorial/SP). Foi inscrito no Prêmio Literário Telecom/Portugal, com o livro de contos “Campo de Trigo Com Corvos”, Editora Design/SC. 

 

SILAS CORREA LEITE

O autor foi tachado pelo site Capitu de “O Neomaldito da Web”, está publicado em mais de 800 sites como   Cronópios, Garganta de Serpente, Aprendiz, Releituras, Jornal de Poesia, Fundação Perseu Abramo, Pedagogo Brasil, Palanque Marginal, Correio do Brasil, Palavreiros, Letras & Livros, Usina de Letras, Literal, Storm Magazine (Portugal), Convívio e LiberArti, Itália, Poetry Magazine, EUA, Politica Y Actualidad, Argentina, Poetas del Mundo (Chile), Pravda, Rússia. Consta em mais de cem antologias literárias em verso e prosa inclusive no exterior, na “Selenia Antologia Multilíngue di  Letteratura Contemporânea”/Itália e Christmas Anthology/EUA. Professor, é pós-graduado em Literatura na Comunicação, Especialista em Educação e Coordenador de Pesquisas da FAPESP/USP.  Começou a escrever no jornal O Guarani, de Itararé-SP. O autor crê num humanismo de resultados,  acredita na arte como libertação (Manuel Bandeira),  e, feito uma antena da época (Rimbaud) dá testemunho das amarguras de seu tempo de riquezas impunes, de insanas privatarias e do neoescravismo da terceirização neoliberal. No programa Provocações da TV Cultura disse que “Corta os pulsos com poesia”  - E-mail: poesilas@terra.com.br

 

 

 

Copyright ©  2017 by Silas Corrêa Leite

Capa “O Farol”. 1915, óleo s/ tela (46,5 x 61). Pintora Anita Malfatti, Coleção Chateaubriand Bandeira de Mello, RJ. 

Site: http://obrasanitamalfatti.wordpress.com/

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Corrêa Leite, Silas, 

                             DESJARDIM, Muito Além do Farol do Fim do Mundo/Romance/Silas Corrêa Leite – Itararé/São Paulo/Brasil: 

Editora.....................................................................2017

                             ISBN 85-000-0000-0

l. Romance brasileiro I. Título  - Índice para catálogo sistemático:

                   1. Romances : Século 20 : Literatura Brasileira                   000.000

                   2. Ficção : Literatura Brasileira                                            000.000

2017 Todos os direitos reservados.

Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sem autorização.

 

 

Primeira Edição ___________________2017

 

 

Composto e impresso no Brasil

 

Printed in Brazil

 

 

 

Os personagens e as situações desta obra são reais apenas no universo da ficção; não se referem a pessoas e fatos concretos, e sobre eles não emitem opinião.

 

 

 

 

 

 

 

 

O LIVRO, O AUTOR

 

-Silas Corrêa Leite, ao seu estilo peculiar, com sintaxe toda própria, coloca a alma no que cria em prosa e verso, de twitter-poemas a microcontos, de resenhas críticas a ensaios. Nas diferenciadas ficções que elabora, coloca os seus mirabolantes personagens em conflito, radicaliza momentos cruciais, nutre os seres de sonhos loucos, e, ainda, com eles persegue ideais de recomposição de portentosas trilhas de vida. Há um Deus? Zuenir Ventura diz, “a literatura é capaz de criar um personagem que tenha muito mais coerência do que um personagem da vida real, porque ele passa a ser convincente dentro da própria lógica interna da narrativa”. Essa é a ideia do autor neste romance que completa uma trilogia – o outro livro é o e-book denominado ELE ESTÁ NO MEIO DE NÓS (romance virtual) ainda não lançado, sendo que o terceiro da série ainda permanece inédito. 

-O autor surpreende por escrever sobre situações de desespero e conflitos, e busca, na cumplicidade do leitor, um jeito todo próprio de tomá-lo pela mão e conduzi-lo pelo prisma diáfano da história, com sangue, suor e lágrimas no mesmo diapasão. Ivan Ângelo diz que escreve para mexer com a cabeça das pessoas. Deve ser esse também o propósito do autor de DESJARDIM, MUITO ALÉM DO FAROL DO FIM DO MUNDO.  James Joyce disse que às vezes as pessoas não são pessoas, são rios, matas, anseios humanos, impulsos colhidos num painel arquétipo. Silas Corrêa Leite dá curso a essa ideia, traduz o indizível, mostra novamente um jeito todo próprio (e todo seu) de compreender a vida e de relatar uma realidade substituta, talvez um mundo paralelo, Desjardim, o Farol do Fim do Mundo, ou qualquer outro nome que tenha o próprio desmundo. Uma história que daria um belo filme. João Silvério Trevisan (Balaio de Textos/Oficina Literária do SESC-SP) disse que tudo o que o autor escreve é cênico, fílmico. Neste romance, o destino de um jovem alienado, a apelação da mãe pela sua salvação. “Quem tem mãe não tem medo”, disse Henfil. Então não existe destino? Escolhemos ou somos escolhidos? Que mistério é o triângulo do tempo? Quem nos salvará de nós? Virginia Wolf diz que a vida atual é feita de trevas impenetráveis que não permitem a visão circunspecta do romance tradicional. Lemos na obra, as luzes de uma ideia, de um estado entre o numinoso e o telúrico, num romance em trânsito em que o personagem principal desconstrói uma vida errada, ergue paulatinamente um novo estar em si (e um caminho muito além de si a partir dessa nova empreita) com  revelações, loucuras de percurso, sofrências, tudo fazendo crer que, sim, o tempo pode parar, o céu pode esperar, afinal, somos o céu e o inferno em nós mesmos. DESJARDIM, MUITO ALÉM DO FAROL DO FIM DO MUNDO é quase uma parábola sobre a desvairada condição humana. Então não estamos perdidos, quando temos uma esperança? Sempre haverá uma chance? Que preço é o fardo inexorável do perdão? Todos serão salvos ou há mesmo um FAROL, MUITO ALÉM DO FIM DO MUNDO, feito um DESJARDIM? Um romance sobre desvios de conduta humana, sobre purgações, fermentos, achadouros, chorumes; a  mão de Deus, o punho de Deus, o algoz de Deus, e, claro, certamente também o enviado de Deus, quem quer que Ele seja. Segundo Luci McCormick Calkins, “escrever faz com que descubramos e celebremos os padrões que organizam nossa existência”.

-Um jovem problemático comete uma infração hedionda e deixa a sua marca fatal de destemperado no local de mais um crime, o pior deles. Começa aí a contagem regressiva de sua estranha e inevitável fuga. Após o assalto que envolve pessoas que o amam, o desespero atiçado move a própria alienação. Que inusitada saída é a louca corrida dentro do que pode ser o labirinto de um espaço inexistente no mundo real, feito uma realidade paralela, uma realidade substituta? Parece que é nesse não-lugar, como uma espécie alienada de não-ser, que tudo é posto a prova feito uma aventura de percurso. Quem nos salvará de nós, se encontrando conosco mesmo, quando estamos frente a frente conosco, reestimando erros, falhas; falcatruas de uma senda pregressa e o próprio horror de uma vida inteira errada, e quando, então, tudo é implacavelmente questionado, numa interpelação para lá de inexplicável? Desjardim é o cenário. Quando estamos em perigo terminal, adrenalina a mil, é que sentimos o apuro de uma verdade conflitada, face ao questionamento da verdadeira coragem. Este romance começa com uma tragédia em Sampa, e, de forma nada linear na narrativa (a parte inicial é transporta para o campo das falas) ocupa espaços de atiçada consciência, buscando confrontações, perguntas e respostas, pois o maior perigo é quando corremos o risco de nos perdermos de nós mesmos. A volta para a terra-mãe, Itararé, pode ser uma espécie de refinamento íntimo a partir de nódoas, dezelos, perdas, vertentes alegóricas, psicológicas, medos e alterações do estado de espírito, dentro da fantástica estadia de percurso. E um negro pintado de palhaço, quem é? A encruzilhada carrega desígnios... 

-DESJARDIM é um romance pós-moderno, de múltiplas linguagens e intertextos. Tem o propósito de auditar uma vida perdida, numa confrontação especial a ferro e fogo, e colocá-la sob o foco de uma narrativa imperiosa, em confissão e julgamento, feito ocasional válvula de escape numa única saída de emergência. Itararé é tão longe, e também pode estar dentro de nós o voo e o desfiladeiro. Não se amarram mais ladrões em árvores. No entanto, algum juízo de valor pode ser questionado, revisto, levado à força da palavra numa ótica especial. A beira da trilha inominada de cada um, sempre haverá a mescla silenciosa de nossas culpas sistematizadas, de resignações neuróticas, de sublimações desviadas, pesadelos e sequelas. Há um circo armado em cada encruzilhada. Um dia podemos ser sondados para responder o que nem sabemos, e quem sabe podemos até amar “o túnel no fim da luz”. E podemos descobrir que não sabemos o que achamos que sabemos. Em DESJARDIM, o “farol do fim do mundo” tudo pode acontecer no curso do caminho em desvario. Sempre estivemos presentes em todo local de nossa existencialização. Somos assim a melhor e a pior testemunha com presencial de defesa contra nós mesmos. Perturbados ou sob pressão de estadia, precisamos pensar percursos e rever trajetos. Nada ficará impune para sempre. A volta para casa pode ser a própria casa em que estamos, o lugar nosso de ser e de buscar um sentido. Parafraseando Mia Couto, “Que lugar em nós é a casa?” Tudo passa pelo fio de navalha do remorso, e todo questionamento é clarificado pela consciência sob pressão; com uma perspectiva de delírio, perseguição, horror e morte, feito uma emergencial mudança da estação. Que lugar, afinal, é o DESJARDIM? Muito além do farol do fim do mundo pode ser qualquer lugar, como qualquer um pode ser posto a prova e juízo de confinamento. Essa é a ideia deste romance, cujo leitmotiv é essa passagem, a travessia; os deslocamentos, retornos (Itararé, sentimentos, consciência, culpa, memórias revisitadas e a angústia-vívere); acontecências em trânsito (às vezes em pânico), um não-ser num não-lugar? Muito além do fim do mundo? O mundo de cada um pode acabar num outro mundo. Contextualizando o entorno, você pode não sacar as regras inteiras todas, e vai precisar delas para sobreviver no seu limite, e até arguir em sua legítima defesa particular; compreender o soro da razão, estimar pesadelos, remoer a ideia da sobrevivência possível. Quando estamos frente a uma espécie de pelotão de fuzilamento, temos que nos mudar de nós, e então pode ser tarde demais, tarde para sempre. A acusação baseia-se em fatos. A absolvição é de cada um para si mesmo, a partir de perdas e ganhos contextualizados no adjacente existencial. Pior do que existir, no DESJARDIM da vida louca, é ter que escapar a qualquer custo, e pagar pelo sobrepeso de tentar salvar-se. Que circo armado é o DESJARDIM da vida? Que acusações pesam contra nós, e só nós, no íntimo sabemos? Qual é a única saída de emergência inusitada? Quem intercederá por nós? Leia e tente se salvar também. Talvez você invente uma chance. Talvez ainda haja tempo. O enigma da vida passa por teias invisíveis que unem, cruzam, agridem ou agregam, e podem intermediar a nosso favor, ou não. Que lugar você é? A sua cota de culpas está colada em seu enredo existencial, ou você é só um maldito vivo? Vai encarar? A pior loucura é quando não podemos nunca mais fugir de nós, e então só nos resta um lugar qualquer (muito além do farol do fim do mundo) o DESJARDIM, o que quer que ele realmente ou de surreal seja. Bem-vindo ao seu inferno particular. O martelo ainda não sentenciou ninguém. Corra o risco. Um palhaço diferenciado numa encruzilhada terreal de sua vida vai esperar você também para o confronto final, e não está longe o seu dia. Em que buraco você vai tentar se esconder? 

 

 

 

“DESJARDIM” é um romance pós-moderno; um thriller que usa várias linguagens, mostrando uma vida jovial em paradoxo e tudo o que reconstrói o entorno. O pragmatismo entre o que nos restará ser, depois de tudo o que a vida fez de nós. O que um jovem aprontou, o que o salvará de si? O escritor trabalha limites emergenciais, aponta saídas inusitadas. Um tour de force com prisma no fantástico, focando tenebrosos tempos contemporâneos. DESJARDIM visita também o encantário, o fantástico; características peculiares do autor, com narrativas entre o humano e o numinoso; a própria clarificação muito além da selva de pedra da “louca vida” como cantou Cazuza. Sofrer, um rito de passagem? Talvez “DESJARDIM” seja uma fábula sobre o caminho, o horror da vida e até mesmo o próprio amor à vida.

 

 

 

 

 

 

 

 

DESJARDIM - MUITO   ALÉM   DO   FAROL   DO   FIM   DO   MUNDO

 

A espécie humana não pode estar concluída

 

Beckett

 

 

 

-Quando é que estamos frente a frente conosco? Quando fazemos uma besteira? Na verdade, quando estamos totalmente perdidos há sinais de pânico e um trânsito neural ruim (e certamente excepcional) que implica em estranhas coincidências e circunstanciais tentativas de abismo. O bem e o mal se juntam, como se a nos darem opções que nem sempre, atiçados, reparamos devidamente. Quem nos salvará de nós, quando estivermos perdidos? Um jovem que faz uma besteira e compromete vidas além da sua, buscando o fim numa corrida desesperada para dentro de si mesmo. Que destino há nas cartas de encontros e fatalidades? Que cacto íntimo há no medo frente ao espelho? O espelho torna-se uma navalha quando é quebrado, diz uma balada antiga. Aqui, a louca viagem de um perdedor, fugindo do inferno e se encontrando consigo mesmo, de alguma maneira realmente espetacular, fabulosa, quase incompreensível para a sua mente atiçada, seu coração transido, seu espírito atribulado em face de tal travessia inusitada. Um romance que põe palavras na boca de um encontro quase mágico, colocando perspectivas num enfoque nada linear, atraindo verdades que precisam ser passadas a limpo, e revelando o ser para si mesmo, no pior momento de sua vida atribulada. 

 

 

 

Um romance que vai atrair o leitor por duas perspectivas: a de um perdedor - com tendência a tragédia - e de um estranho com conhecimento para muito além da imaginação. Um Julgador? Todas as feridas serão tocadas. Uma alma atribulada vai ser posta a prova. Quem vencerá a quem? Que inimigo há naquele que nos aponta o dedo na cara, o dedo em riste, e nos diz de coisas que nem nós mesmos sabemos de nós, nas tortuosas trilhas da vida? Um jogo de cena ou um julgamento? Metáforas e costuras narrativas, inclusive certas intertextualidades, trabalhando linguagens, talvez como também pode ocorrer no Tribunal do Fim do Mundo. 

 

 

 

Essa é a história. Nem sempre estamos perdidos como parece. Sempre há uma chance na hora fatal. Um encontro inusitado pode ser a terminal escolha entre o céu e o inferno. Um estranho peregrino (pintado de palhaço) na beira de uma estranha encruzilhada de estranha estrada, aponta passados, presentes e futuros, tudo num mesmo confeito de fuga. Uma viagem e o Amor em prova. Teremos que optar entre o seguir adiante até o fim, custe o que custar, ou  voltarmos atrás para reassumirmos culpas e pecados. Um último perdão sempre é possível. Nada é impossível ao que crê. Primeiro é preciso tomar a sagrada decisão dos derrotados. E querer uma chance, uma saída para a tão sonhada estrada de tijolos amarelos, muito além de uma montanha azul. E nem sempre se vê uma saída, quando os olhos estão turvos e o desespero indica fatalidades. Às vezes pode ser tarde demais. Mas nunca é tarde para sempre.  Quando não há um lugar no mundo onde possamos nos esconder, temos que nos enfrentar.  E quem nos defenderá de nós mesmos? Essa é a história, o romance. Um livro de andanças, acontecências em trânsito, quase que uma fábula moderna. E um livro assim deve servir como um  machado para o mar congelado dentro de nós, como disse Kafka. Mentes abertas, corações abertos. Talvez valha a pena. A madeira torna-se flauta quando é amada.

 

 

 

 

 

(*) O termo  “ farol do fim do mundo” é uma expressão antiga, milenar, usada desde muitos séculos antes de imigrantes judeus e outros povos aportarem em Santos, São Paulo, Brasil, fugidos de problemas de guerras e doenças na Europa, e é visto como uma expressão parecida com o chamado  fim do mundo mesmo, talvez assim como uma espécie de Amargedom, ocasião em que, segundo a visão hebraica mais ortodoxa, todos serão apresentados ao foco do juízo final, julgados, e, salvos, ou, condenados. Foi usada por outros povos companheiros de diásporas diversas, chegando até ao imaginário popular de Itararé e mesmo ao inconsciente coletivo por intermédio de descendentes de europeus e outros imigrantes que se fixaram na cidade, desde poloneses, húngaros, italianos, espanhóis, alemães, sírios, austríacos  e outros povos, sendo, agora, no rico repertório dos dizeres popularescos próprios (e peculiares) da cidade, incorporados como um sentido de final de carreira, fim de empreita, fase final de um projeto, Terra do Nunca ou coisa pertinente. Daí a expressão ser veiculada pelo personagem principal da narrativa deste livro, e também tendo um sentido literário que a obra como um todo, por si só, no conjunto de um contexto todo explica, engloba, concedendo ao entendimento da expressão uma rica gama de símbolos próprios do romance.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DEDICAÇÕES

 

 

 

Para o meu tio João Maria de Oliveira, “João do Vento”, Campo Grande-MS. Mais de 50 anos sem vê-lo; quando pairou sobre minha vida como um mito, no entanto, o bendito reencontro foi magno e mágico

 

 

 

Para minha Irmã Neuza Corrêa de Morais, Itapeva-SP, que vi uma vez apenas, quando muito pequenino ainda, e só fui reencontrá-la mais de 58 anos depois, e cujo demorado abraço foi uma floração de lágrimas

 

 

 

Para Judite Correa Alves, uma “Tia” especial, que nos honrou com sua presença; que me amou muito antes mesmo de eu ter vindo ao mundo, e que caminhou com a nossa família em momentos de alegrias e de lágrimas. E foi a melhor amiga de minha saudosa mãe.

 

 

 

In Memoriam – Porque a Saudade é a Mais Pura Forma de Amor 

 

-Eugênia de Oliveira, minha saudosa mãe, que foi morar no céu, fazer polenta de milho para Deus. Amor de minha vida; nunca mais serei o mesmo depois de sua viagem para a “Itararezinha Celeste”

 

 

 

-Paulo Rolim, querido primo, artista polivalente, mente brilhante, alma viajosa, visionário e humanista, novelista, locutor, poeta, compositor, teatrólogo,  ventríloquo, humorista, criador da “Casa Paterna de Itararé”

 

 

 

-Ricardo José Correa Leite Campolim de Almeida, “Póla”, de Itapeva-SP. O seu sorriso tão lindo ainda vela sobre nós, muito além da tristeza de sua viagem. Num tempo chamando longe, seus olhos da cor do céu ainda ornam nossos corações partidos.

 

 

 

E Sempre Para

 

-Rosangela Silva, musa e companheira, que me deu os melhores anos de sua vida. Sempre para ela todas as minhas páginas de rostos, todas os meus livros de lágrimas e estrelas, todos os meus sentimentos clarificados no seu encanto e na sua ternura

 

O AUTOR

 

 

 

 

“Todas as coisas precisam ser ditas, antes que não sejam mais palavras, energias, mas, simplesmente coisas”

 

 Silas Corrêa Leite  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

AGRADECIMENTOS

 

Itararé-SP:

 

-Pintor premiado Jorge Chuéri, Patrimônio Artístico-Cultural de Itararé, meu ídolo e meu mestre.

 

 

 

-Lázara Aparecida Fogaça Bandoni, a mais importante promotora cultural de Itararé, amiga e incentivadora

 

 

 

-Aos Contadores de “Causos” de Itararé, meu respeito e minha admiração, como eterno aprendiz da brilhante e historial “alma Itarareense”

 

 

 

São Paulo-SP

 

-Professora Ligia Oliveira de Azevedo e amigos da EMEF José de Alcântara Machado Filho, Real Parque, Morumbi-SP

 

 

 

-Aos amigos educadores da EE Thomazia Montoro, Vila Sonia, Butantã, São Paulo

 

 

 

-Família “Sola de Passos Silva”, meu reconhecimento, meu carinho, meus cantos, minhas barulhanças e contentezas

 

 

 

-Aos especiais amigos revisores cheios de ideias, Fabio Della Paschoa Rodrigues e Ricardo Jordani, de primeiras leituras, e aos Professores José Sergio de Lacerda e Carolina Ferrucci Monção. Obrigado pela força e fé nas Letras. 

 

 

 

 

“Quem nasceu em Itararé

 

Adora uma brincadeira

 

Pois toda `Andorinha´ (*) é

 

Uma criança a vida inteira”

 

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(*)-Quem nasce no Rio Grande do Sul é “Gaúcho”, quem nasce no Rio de Janeiro é “Carioca”, quem nasce no Paraná é “Pé Vermelho”, quem nasce em Santa Catarina é “Barriga Verde”, e quem nasce na Estância Boêmia de Santa Itararé das Artes, Cidade Poema, é “ANDORINHA”. Aliás... “Itarareense quando nasce/Se esparrama pelo chão/Mas quando morre vira “Andorinha Celeste”/E vai para uma celestial morada do coração/...A “Itararezinha” do céu; uma Itararé “do outro lado”/ Outro encantário, outro ninhal, outra constelação”. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“Começando nesta porta, um

 

longo e eterno caminho

 

mergulha no passado. Atrás

 

de nós está uma Eternidade.

 

Não será verdade que

 

todos os que podem andar

 

têm de já terem percorrido

 

esse mesmo caminho?...”

 

 

 

 

 

F. Nietzsche

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Hora do Ângelus

 

 

 

“Mergulho na sombra úmida da vertigem. São palavras a se desvestirem, camada por camada, do senso comum, desde o brilho de sol invisível sobre peles que cantam, até os confins do esqueleto a uivar um despenhadeiro de incêndios. E por isso o renascimento, um novo universo de palavras que passa a se mover na forma de sintaxes embrionárias, a conduzir a revelação dos sonhos antevistos pelas profecias, arcaicas habitações das primeiras manhãs dos mitos poéticos”

 

 

 

                                          Afonso Henriques Neto.

 

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-Frei Bento, o seu cândido irmão vizinho do quarto de pedras ao lado, viria buscá-lo. E o levaria de cadeira de rodas, para a última oferta religiosa do dia. E depois da leitura da missa em latim, o último desjejum com os outros ali enclausurados em penitência, antes do recolhimento noturno. Estava finalmente acordado da sesta que demorara muito. Levantara para rezar, num misto de medo, saudade e consciência afinando desagonias, saudades de casa. E chorara. Erros e acertos. Não é sempre assim? Mas não podia reclamar. Tivera sua última chance. Estava vivo e isso por si só já era um milagre. A sua família circunstancial era todo mundo ali, aquele lugar, aquele mosteiro, aquele recolhimento, aquela busca de si mesmo, outra vez. Na cabeça, volta e meia, um pesadelo, em tons pesados, cores fortes carregadas de dor, ressentimentos. Passava um filme, em fragmentos, com um começo quebrado da história toda misturada, colocando correrias, atropelos, amontoando lugares, cenários, tiros, sangue, agência bancária, erros de avaliação. O golpe de sua vida, os desacertos, tudo dando errado, ele, então, como resultado daquilo tudo; estava ali, preso a uma cadeira de rodas. Sofrendo, às vezes  se achava de alguma maneira de novo no local do crime (o culpado sempre volta ao local do crime?) ou restava-se ali se erguendo, pagando seus pecados, finalmente e de alguma maneira, alma transpirando paz, ou, na pior das hipóteses, espírito ainda em recuperação. Vidros quebrados, balas zunindo, um corpo caindo, sangue de seu sangue. E ele, claro, dando o fora, esperto como sempre, depois, aquele lugar de meditação, aquele sino pontual, sudorese, roupas humildes, descalço, consciência recuperando oxigênio, peito arfando. Tinha que se cuidar, tinha que parecer sereno. Logo viria o seu amigo buscá-lo na cadeira de rodas. E a família longe. E Itararé com as suas crias e o grande amor de sua vida. A filha especial e a outra filha... Estrela e Aurora...

 

 

 

-Cristo, Tende Piedade!

 

 

 

Bateram delicadamente à porta do quarto do deficiente físico ali feito seminarista, na verdade uma espécie arranjada de prisão domiciliar, pagando uma pena, tendo em vista o seu precário estado.

 

 

 

Lá fora o pátio, o corredor, um silêncio de Deus, depois, o missal. 

 

 

 

Dentro de si, reminiscências. Atropelos de ideias. Desacertos. Altos e baixos. Alta estima. Baixa estima. Decomposição e ressurgimento.

 

 

 

O passado tenebroso, o crime hediondo entre outros, a fuga, o encontro – que mudara sua vida para sempre – e Itararé tão longe daquele Convento de Curitiba que lhe vestia de paz entre pedras, fontes de águas límpidas, pinheiros, aves, frio paranaense, solos de acordeões na vilinha adjunta.

 

 

 

Enxugou as lágrimas. Arrumou-se na cadeira de rodas.

 

 

 

Se era pra pagar, se tivera uma chance, tinha que se livrar daqueles sofrimentos, quireras de rastros, rastilhos de mágoas, pedaços de remorsos, fragmentos de momentos de como tudo começara. O banco. Sangue entre cacos de vidro. O que não previra? O irmão. Quem atirara primeiro? Tudo muito confuso no liquidificador das ideias revisitadas. Não era para ter sido mesmo o golpe de sua vida, o crime perfeito. Sorte sua. 

 

 

 

Por onde quer que fosse, sua história iria consigo. Valeria a pena escrevê-la? Estava nas mãos de Deus, a alma se refrigerando. Tinha morrido alguma morte, depois se reconstruira, a sua salvação era estar ali, recluso; com seu surrão de lágrimas e tristices, em sofrências... Fermento entre avencas...

 

 

 

Que o bom Deus o ajudasse.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DESJARDIM - Muito Além do Farol do Fim do Mundo

 

 

 

Introdução

 

“...O que foi é o que há de ser: e o 

 

que se fez, isso se tornará a  fazer”

 

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Eclesiastes, 1.9

 

 

 

MALDITO DIA! 

 

 

 

Tudo dera exageradamente errado. 

 

 

 

Não deveria nem sequer ter nascido para viver (e quase morrer!) aquele dezesseis de maio de dois  mil e tanto... O assalto dera com os burros nágua. Nada ocorrera conforme o planejado. Os potentes seguranças da agência bancária bem aparelhada pilharam a pistola calibre 22 com a falsa grávida. Um risco e um erro quase fatal. Isso não estava previsto. Tudo dera errado.

 

 

 

O seu falso policial de momento, ocasional (e improvisado) importante membro da quadrilha (que era seu irmão mais novo envolvido na trama toda) talvez tivesse sido baleado em algum órgão vital, podia até mesmo estar morto, pois em hora imprópria e destemperado tinha sacado a arma e reagido ao nervosismo, fomentando então um tiroteio infernal, despreparado que estava, fora de si, o coitado. Não era do ramo mesmo. Não devia ter confiado no rapaz, ainda algo imberbe e metido a valentão de araque. Ele não devia ter feito aquilo. Estragara tudo e se dera mal. O trato era que, se alguma coisa desse errado, que abortassem a ação criminosa. Tinham preparado vários cenários para os escapes emergenciais; tudo parecera que fora devidamente bem orquestrado, no caso de um erro, uma falha, uma eventual surpresa não avaliada.

 

 

 

Sua mãe jamais o perdoaria. Iria acabar de morrer quando soubesse da tragédia em que se meteram o filho mais velho, e, ainda mais, pior, muito pior, pois levara de roldão o caçula babão da família. 

 

 

 

Também não poderia mais pleitear a guarda de seu filho na justiça. A ex-esposa era uma arara, saberia de tudo, o denunciaria. Estava frito de todo jeito.  Maldito dia aquele em que fora tentado a dar o golpe da sua vida. Tudo falhara. Estava perdido.

 

 

 

Rafael Nicolas Mello e Silva, moreno claro, passando de trinta anos, estatura média, corpo jovial, cabelos e olhos castanhos, estava desde as doze horas daquela manhã conturbada, fugindo desesperadamente para lugar nenhum. Tudo dera errado. Tudo estava perdido. Não deveria nem ter se levantado da cama. Estava um lixo, no limbo. Se pudesse e fosse possível, apagaria o maldito dia fatal do calendário de sua vida de erros, vida de tramoias, aventuras e baixarias. 

 

 

 

Primeiro, para fugir feito um louco, sair do local do crime (antes de quase ser pego em flagrante) utilizou um carro importado com placa fria que usara no assalto frustrado. Depois uma kombi fuleira que furtara de um estacionamento clandestino. Com ela, rodara algumas dezenas de quilômetros, quase andando em círculos. Finalmente estava ali, naquele pálio que roubara sob mira de um revólver (com uma arma smith de grosso calibre) num farol poluído da Avenida Paulista, da capital Sampa, fugindo, fugindo sem saber para onde, para que lugar, apenas rodando sem parar, a consciência pesada, cobrando... A dúvida é a coragem da consciência?

 

 

 

Havia tempo que corria. Rodara pelo menos três horas, correndo, indo por ir, naquela altura dos acontecimentos já sem ter qualquer plano de fuga, sem rumo, feito um aloprado. Que lugar era aquele? Onde estava? 

 

 

 

Tardinha, reparou, ainda sisudo, de tromba, feição de revolta.

 

 

 

Um campo com trigal amarelo do lado direito da estradela. Do outro lado esquerdo, enorme traçado de extensa cerca branca pertinente a árvores frondosas no acostamento. Pareciam de frutas. A estradinha de pedregulhos e macadames tinha um pó cor-de-rosa feito talco arenoso que parecia jogar sujeira no seu espelho retrovisor, e bem podia apagar o passado de sua vida errada, de sua alma transida, de seu coração disparado. Em que fria se metera! Isso não podia estar acontecendo com ele. Era um pesadelo?

 

 

 

Estava a mais de cem por hora naquele ermo rural, correndo loucamente para o nada, a caminho de um pretendido e desesperado fim, que o livraria de si mesmo, naquela enrascada em que se metera. Parecia estar sendo seguido por corvos, não apenas pela má sorte. A consciência pesava. Estava com medo e ao mesmo tempo muito nojo de si mesmo. Já avistara uma lebre silvestre na estrada, quase desviando a sua atenção e jogando o carro pirambeira abaixo. Depois atropelou uma poça dágua. Havia chovido horas antes por ali, que lugar fosse aquele em que escapava ou se escondia desesperadamente a céu aberto.

 

 

 

Ia na loucura, insano mesmo (já estava fugindo da abstinência de álcool e de drogas). O coração disparando o instinto de fuga e medo (mas agora começando a ter seu ritmo normal), ainda pensando severamente e com rancor no mal que fizera a si mesmo e ao seu querido irmão caçula. Foi quando viu, meio sem querer, curiosamente, a menos de cem metros a frente em planície reta, além de uma espécie rala de encruzilhada, um sr. vestido com um macacão de amarelo cru, com um botijão de gás sobre o ombro direito, esperando para atravessar a estrada de um lado ermo para o lugar nenhum em frente, tudo rala savana com matagal só ao longe. Era perto de uma encruzilhada que, como por um milagre, surgira de repente para aquele fugitivo, espírito de porco.

 

 

 

Não tinha espaço inteiro para ambos, para passar direto e apressado com o carro veloz, como estava, se não atropelasse o velho. E não tinha essa ocasional pretensão naquele momento. Não corria mais perigo, pensou. Não podia continuar errando. Pensou assim e de presto mudou a marcha, tirou o pé do acelerador. Estava tenso.  No entanto, diminuiu a velocidade do pálio vermelho, até que, a menos de vinte metros mais ou menos, notou quando de forma inusitada e estranhamente o tipo acenou com o polegar alto e característico de pedido de carona. E ele foi reduzindo, diminuindo rapidamente, até que, finalmente parou em frente aquele homem que era um simpático senhor negro alto e forte. Pelo tipo um perdido entregador de gás com jeito engraçado, um sujeito com a cara do ator Morgan Freeman. Sim, era um negro posudo com engraçada pintura de palhaço no rosto, olhos verdes! Palhaço? Onde já se viu aquilo? Tem cabimento? Rafael, naquela fuga em que de alguma forma se perdera, era um cão chupando manga. 

 

 

 

-Vai para aonde moço? - O tipo alto, encorpado, quase um metro e noventa, cabelo  carapinha, perguntou, se assomando, voz de trombone-contrabaixo, olhos da cor de um belíssimo céu de jade.

 

 

 

-Tô indo por aí, e o sr? - Respondeu sem atinar muito com eventuais riscos, nervoso, tenso, sacando melhor a esquisita maquiagem colorida pintada na face larga do sujeito negro, nariz vermelho, uma bolinha de plástico.

 

 

 

-O sr. pode me levar até Paraisópolis? Por favor, é aqui bem pertinho. Prometo não atrapalhar.

 

 

 

-Tem cidade pra essas bandas onde o Judas perdeu as botinas? Não acredito. Será o impossível?

 

 

 

-A menos de um hora, se tanto. Faça-me essa gentileza, tenha a bondade, por favor...

 

 

 

-Estou  viajando há quase três horas e não vi coisa nenhuma, sequer uma viva alma, muito menos um simples espantalho. Estava perdido, confesso.

 

 

 

-Perdido e correndo desenfreadamente desse jeito? Vi o sr. descendo a colina chispando depressinha. Não acredito!

 

 

 

-Quer carona ou não quer? Que tipo!

 

 

 

-Se o sr. me fizer essa graça. Se não for incomodar...

 

 

 

-O sr. tava a pé nesse fim de mundo, com um bujão de gás azul no ombro, e ainda assim, de macacão amarelo parte de nylon e parte de brim acetinado, coturno tinindo de limpo, boné de boy e incrivelmente pintado de palhaço? Que maluquice. Não imaginava essa. Se alguém me contasse eu não acreditaria. Será o impossível? Parece que estou no país das maravilhas... Releve, foi essa ideia de jerico que me veio à mente quando o vi assim todo pintado de palhaço, parece piada. Não acredito!

 

 

 

-Nem eu, meu caro jovem, nem eu. Se eu contasse tudo direitinho você também não acreditaria...

 

 

 

-Como assim? O que o sr. quer dizer com isso? Não compreendi a insinuação sem pé nem cabeça...

 

 

 

-Você vai ou não me dar uma carona? Tô precisado, por favor, moço, se acalme.

 

 

 

-Claro. Entre aí. Bote o bujão no banco traseiro. Não sei quem pediu gás, como o sr. vai entregar o pedido emergencial a pé, mas pode sentar-se aí no banco ao lado. Vamos nessa? 

 

 

 

-Obrigado. Tava na horinha certa. Você é mesmo muito gentil. Não pensei que teria ajuda nessa precisão.

 

 

 

-Ora vamos, estou atrasado. Aliás, atrasado e perdido, pra falar a verdade.

 

 

 

-Você correndo do jeito que vinha, parecia estar indo é mesmo tirar o pai da forca. Ou estou redondamente enganado? 

 

 

 

-Pior do que isso. O sr. nem pode imaginar. Aliás, apesar dessa estranha maquiagem de palhaço para um entregador de gás, o sr. me lembra alguém, me parece familiar, estranho, não é?

 

 

 

-Eu ia dizer exatamente a mesma coisa. Você me lembra alguém, apesar de tenso, nervoso, coração disparado, mente ruim, com febre alta, garganta inflamada e os rins doloridos, machucados.

 

 

 

-Nossa! Como o sr. pode me avaliar assim, nisso tudo, de vereda? O sr. é um entregador de gás ou um bruxo? Estou curioso.

 

 

 

-E você? É um motorista profissional de corrida rude, fugindo da Fórmula Um, de algum Rally Rural e ermo da Realidade; um ricaço esnobe procurando aventura no campo, ou um apostador perdido entre vales, planícies e serras nesses confins caipiras, sem postos de abastecimentos ou pousadas de percurso?

 

 

 

-Eu sou um louco, se o sr. quer mesmo ficar sabendo. Um doido varrido. Para não dizer que sou uma toupeira de papel passado. Uma anta da pior espécie!

 

 

 

-Que bom. Maravilha! Já disseram muitas vezes isso de mim também. Acredite se quiser.

 

 

 

-O sr. com essa pintura de palhaço parece estranho. Não de assustar, sabe. Mas uma coisa não bate com outra. Pareço estar num programa onde tudo é montado, falso, estranho, pra não dizer meio bisonho, sabe, aquelas cidades virtuais... aqueles enredos doidos? Sinto isso. Estou ressabiado...

 

 

 

-Você também, meu rapaz, com essa cara de tacho, me parece outra pessoa, parece um estranho pra si mesmo, parece realmente ter perdido as estribeiras, parece querer fazer uma besteira completa, pagando alto preço para escapar de algo, de alguma coisa, depois de ter aprontado barbaridade. Estou falando demais para um carona que viaja de graça e parece metido a sebo? 

 

 

 

-O sr. captou isso tudo de mim, assim sem mais nem menos, de que modo, e por quê?

 

 

 

-Ora. Você também está me julgando pela minha maquiagem básica, pelo meu rude macacão amarelo, por eu ser um negro ou pelo gás que eu trazia num botijão sobre o ombro direito? 

 

 

 

-Tudo isso junto. Tá muito longe a cidade, ainda? Só vejo mato, selva densa, verde abundante, não há sinal de perímetro urbano e civilização por essas bandas. Nem placas têm essas estradinhas porqueiras. Que lugar é esse lugar? Parece que estou sonhando.

 

 

 

-Quando chegar a hora e for necessário, você vai chegar aonde você quer chegar e precisa mesmo chegar. E depois, quantas coisas boas vêm dos sonhos...

 

 

 

-E como o sr. sabe que eu quero chegar em algum lugar, por algum motivo ou destino final?

 

 

 

-Ora, todo mundo está em busca de algo, de alguma coisa, um fundamento, um propósito, um pote de ouro ao fim do arco-íris. É normal. Todo mundo tem um alvo-mestre. Todo mundo quer ser feliz, mesmo errando manejos e destinos vãos.

 

 

 

-O sr. fala muito bem até, para um mero entregador de gás num local perdido desses, num canto miserável desses cafundós sem eira e nem beira.

 

 

 

-Já fiz outras coisas. Estudei a vida inteira. É do meu feitio. Adoro estudar. Sou craque nisso. E sempre soube lidar bem com sucatas... com carcaças... com lixo, para tentar ser reciclado...

 

 

 

-E acabou assim, sem mais nem menos, num buraco desses do mundo, fazendo um servicinho mixuruca desses?

 

 

 

-E você? Quando criança não queria ser presidente da república? Não queria mudar o mundo? Não queria ser Astronauta, trabalhar na NASA? Não queria ser poeta moderno, roqueiro? Olhe pra você. Quem você é agora? O que você vai fazer do que você já se fez e obteve como lastro pesado? Vai continuar correndo até se arrebentar numa árvore milenar, se apinchar num rio do desfiladeiro, se acabar num abismo fatal? Do que é que você está fugindo, moço?

 

 

 

-O sr. também é vidente, por acaso? Estou ficando com  a pulga atrás da orelha. Onde já se viu isso agora?

 

 

 

-Faço muitas coisas pra sobreviver. Pelo menos tento de tudo. Capricho aqui e ali. Faço biscates também. Sabe, são tempos tenebrosos, de vacas magras...

 

 

 

-Estranho. Parece que estou conversando com o sr. há mais de horas, e apesar de estarmos rodando tanto tempo nunca chegamos a lugar nenhum, e o sr. está aí com um papo-aranha  que, ao mesmo tempo em que me assusta, meio que me cerceia, paradoxalmente também me dá alguma paz interior, uma vontade de ser eu mesmo, de desabafar... de botar tudo em pratos limpos, de chutar o barraco, de vomitar enormes sapos engolidos pela estrada da vida...

 

 

 

-Olha moço, tenho muitos filhos. Nem todos são santos, sabe, mas, sabe, pode ser verdadeiro comigo. Se você quiser, limpo essas pinturas de palhaço que fiz pra fazer graça com curiosos ou crianças que encontrasse pelo caminho. Pronto, pronto, fique calmo, já tirei a bolinha vermelha do nariz. Minha pintura o está incomodando? Pode falar. Seja franco. 

 

 

 

-O sr. tem a voz com sotaque da Estância Boêmia de Itararé que lembra meu pai. E depois, não há criança nenhuma pelo menos em duzentos quilômetros que venho rodando, nenhuma viva alma sequer.  A quem o sr. quer enganar também?

 

 

 

-Você tem tudo para ser meu filho. E perto de mim é uma criança ainda. Tem muito que aprender.

 

 

 

-Ora, assim o sr. me emociona. Parece até um pito caseiro. Meu pai já morreu e eu nunca dei uma única alegria inteira pra ele. E ele era um campeão em dar sermões, sabe? Era um craque nisso. Mas, pra mim, a bem da verdade, entrava por um ouvido e saía por outro...

 

 

 

-Nem tudo é perfeito. Pode se abrir comigo. Temos a vida inteira pra isso, não é mesmo? Qual é o problema? O que é que está pegando, não é assim que os jovens dizem quando querem sacar alguma coisa?

 

 

 

-Mas o sr. não disse que em menos de meia hora estaríamos numa cidade? Não tô vendo sinal de cidade alguma, de chaminés, fornos carvoeiros, nada, aliás, nem porteiras, fazendolas, currais, canteiros, moinhos, colheitas.

 

 

 

-Ora, filho. Você não pode continuar fugindo. Não pode agora nunca mais deixar de ser o que é. Não pode fugir de si mesmo. Não pode se pirulitar de onde está, nem dar no pira do lugar que é. Fale, fique a vontade. Ninguém me conhece por aqui. Ninguém sabe quem você é, estamos empatados, portanto, talvez nem mesmo você saiba agora. Talvez de alguma maneira ainda não seja tarde demais. Talvez você esteja só por um fio, pendurado na gangorra da vida, e é só isso o que vale esse momento crucial, agora...

 

 

 

-Eu não sei se devo. Mas eu preciso desabafar. Eu quero morrer. Eu preciso morrer. Eu daria tudo para morrer agora. Mas sou muito covarde o bastante para simplesmente me dar um tiro na fuça, acabar com tudo.

 

 

 

-Ora filho, e se você já estiver morto e não souber? Tudo é possível, avalie assim, pense na hipótese...

 

 

 

-Como assim? Será que tudo isso é um sonho? Será que eu morri no assalto? Será que a morte é isso? ... Como eu desejava estar morto no lugar dele...

 

 

 

-Então você fez uma grossa besteira completa e tanto, hein? Pelo jeito hoje não é o seu dia de sorte. Você parece não estar bem.  

 

 

 

-Um lazarento de um assalto a banco que deu em nada. Um crime perfeito só no papel. Que trouxa eu fui. Acho que meu irmão caçula morreu. Estou fugindo. Estou danado. Seria bom se eu estivesse morto mesmo. É o que eu mereço. Sorte lazarenta!

 

 

 

-Talvez você tenha alguma chance ainda. Eu disse talvez. Ou talvez a morte ainda não seja um preço a altura de tudo...

 

 

 

-Como assim? Tudo está perdido. Estou acabado. Posso ser preso. E vou reagir. Prefiro ser morto reagindo a me entregar. Vou acabar atirando em alguém para servir de alvo fácil e acabar com tudo.

 

 

 

-Há várias maneiras de se estar morto, assim como há várias portas para um mesmo lugar, sabe?

 

 

 

-O sr. além de ser um entregador de gás é também fanático pregador de alguma igreja?

 

 

 

-Imagine só. É ruim, hein? Isso é invenção pequena do homem. Há muito mais grandeza na vida do que podemos perceber. Há mais motivos que movem o homem, do que acreditar em coisas que ele interpretou ou traduziu mal, por suspeitos e mesquinhos interesses históricos nos tempos das trevas. A fé remove religiões...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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