sexta-feira, 19 de março de 2010

In Memoriam de Eugênia de Oliveira

Poema Homenagem

Casa da Mãe

Para Eugênia de Oliveira Correa Leite, In Memoriam, 13.03.10


Ir para casa e não ver a Mãe
É não estar em casa.
Ir para Itararé e não estar com a Mãe
É não estar em mim.
Ir para a Mãe e a Mãe não estar lá
Já é quase morrer.

Porque a casa e a Mãe se completam
Uma está em outra para assim muito bem estarmos em nós
E não encontrando a Mãe em casa
Podemos também não nos encontrarmos nunca mais.

Porque a casa-mãe-Itararé
É tudo uma soma de estarmos em nós mesmos
E da Mãe estar na casa e a casa ser a Mãe
Onde quer que a Mãe esteja.

Talvez, também, por isso é
A Casa, a Mãe, tudo - Itararé
Parte de nós. Como lágrimas no céu; como uma Igreja.

-0-

Silas Correa Leite, Poetinha da Estância Boêmia de Itararé-SP
E-mail: poesilas@terra.com.br
Site: www.itarare.com.br/silas.htm
Blogues: www.portas-lapsos.zip.net
www.campodetrigocomcorvos.zip.net

quarta-feira, 10 de março de 2010

Resenha Crítica do livro inédito ESTAMOS TODOS BEM de Vera Helena Rossi

Pequena Resenha Crítica

ESTAMOS TODOS BEM, Provocante Romance de Vera Helena Rossi


“Todas as vidas dentro de mim/Na minha
Vida/A vida mera das obscuras...”

Cora Coralina, Todas as Vidas


Nunca tinha recebido um livro para ser resenhado que ainda fosse inédito, quero dizer, xerocopiado, formatado, encadernado, não necessariamente nessa ordem, quero dizer, mas não editado ainda... O inédito Romance ESTAMOS TODOS BEM, 115 páginas, de Vera Helena Rossi, site Palimpsesto – http://verahelena.blogspot.com/ eu soube por intermédio do site Cronópios no qual colaboro regularmente, tendo sabido a autora elogiada em espanhol por Pedro Amorosos Juan no site http://pedrosoamoros.blospto.com e que da obra, num enunciado inicial, no link da obra diz:

“Una mujer toma café en la cocina mientras siente “na boca do estômago a bílis ácida da separaçâo”. Piensa en la despedida de su marido y le vienen a la memoria el Réquiem de Mozart y la Novena Sinfonía de Beethoven. Así se inicia Estamos todos bem, la sugerente y, en ocasiones, desconcertante - por la variedad de registros que manej a- novela de la escritora brasileña Vera Helena Rossi. Estamos todos bem cuenta el proceso de degradación mental de una aspirante a escritora, los diferentes caminos – el azar, las circunstancias adversas - que la conducen a la locura (no es casualidad que la palabra “louca” se repita con frecuencia en la parte final del relato). La protagonista – inolvidable por otra parte- de la historia es Clara Pereira, una joven escritora de 33 años (una cifra mágica y simbólica que tiene resonancias religiosas tal como se pone en evidencia en el tramo final de la narración, cuando el proceso de degeneración mental de Clara resulta imparable) que, abandonada por su marido, lleva una patética vida. Solitaria, soñadora, obsesionada por la belleza de las palabras y de las cosas, Clara es una romántica que adora la filosofía y escribe en sus ratos libres un Livro de Anotaçôes Inúteis, una especie de diario sobre la soledad y la infelicidad - trasunto emocional de la situación que vive la protagonista y cuyo personaje principal es la homérica Penélope -, en el que se entremezclan curiosas definiciones lingüísticas en una suerte de “diccionario fragmentado”.

Curioso por saber do livro e a partir do elogio de qualidade do escritor espanhol, escrevi à autora pedindo o livro para ler e assim também poder tentar manifestar minha opinião a respeito, conferir, claro. Depois de tantos percalços pessoais e tendo ainda e outras obras para opinar a criticamente a respeito, finalmente tomei pé do livro ESTAMOS TODOS BEM, começando a ler aos poucos. Logo de cara fiquei surpreso pela escrita de qualidade da autora, impressionado, depois de ver a obra se assomando caí de fio a pavio, de cabo a rabo na leitura, e, confesso que gostei do romance bonito, bem construído, medida as experimentações do contexto, as intertextualidades pertinentes, até porque a autora, falando sério, é Mestre em Literatura e Critica Literária pela PUC, doutoranda em Comunicação e Semiótica também pela PUC – SP, além de ter participações na Revista Língua Portuguesa (ver Carlos Drummond de Andrade, matéria capa da edição de setembro de 2007 e 80 anos de Macunaíma, matéria capa de abril de 2008).
A personagem principal, Clara Pereira, ao contrário do que o nome diz, na verdade é muito confusa, e assim vai pontuando o romance com suas neuras, seqüelas, até mesmo certa desconstrução moral, narrando os dissabores urbanos do dia-a-dia, estando o livro nesse diapasão, desde a paixão da personagem, o envolvimento com Bárbara – às vezes não se sabe quem é uma e quem é outra – ainda assim e por isso mesmo uma louca da pá virada, cervejóloga, amealhando destemperos, fissuras, divagações, estados oníricos aqui e ali, numa personagem que vai e volta nesse círculo vicioso inclusive narrativo e que às vezes também “viaja” muito além dos sentidos, com a escrita sendo interessante nesse propósito, ora uma romântica, ora uma feminilidade conturbada, confrontando interesses, estados de animus e outras intimidades insinuadas ou curto e grosso reveladas.
ESTAMOS TODOS BEM invocam os mistérios de uma vida exposta, angústias de uma mulher moderna, desesperanças, vontades íntimas, a descoberta de sentimentos, arrebentações, seduções, triângulos ocasionais, feito um inventário de um contemporâneo mundo-mulher, em que a feminilidade aqui e ali se desarranja, como ora se recompõe, onde há conflitos de interesses, a própria cruz da personagem principal que é arrumar gavetas (interiores) dos outros, peça por peça, como se quisesse, por assim dizer e por si mesma, acertar suas contas pessoais com a vida, com as etiquetas sociais, as regras e convenções que veste, despe, ora significando alguma coisa, ou muito pelo contrário, ora não tem profundidade, mas pontua a invocação de prisma, dá uma metáfora à vida amarrada de uma mulher moderna caindo em si e às vezes se perdendo de si. Entre um dia e outro, agressões, buscas, perdas, tiros, vinganças, orquestrações, amarras e disparates de perdas emocionais, a louca mulher procurando porto e, assim e por isso mesma, bebendo, fugindo, arrumando no outro o que não revela em si mesma ou não tem conserto. Ser mulher, afinal, nesses nossos tempos pós-modernos, à que será que se destina? Caetanear.
O mundo está perdido e a mulher está nesse contexto. A grande metrópole de estados vazios de alma. A autora analisando (-se?) o estágio de uma mulher carente, o diálogo entre gêneros, o poder da metáfora e mesmo a possibilidade de muitas leituras, o tácito, o que quer dizer e não diz, o que explicita em cena aberta e o que cala veladamente sempre nas reticências do que pode vir a ser e é ou não é. Com qualidade a autora Vera Helena Rossi ventila o calvário de Clara não tão clara assim no desperdício de dias, relações, conflitos, sentimentos, perdas, resgates e insanidades de percurso. Sobreviver é preciso? Nem tanto. Pode ser impreciso.
“Lá ia ele, a desmanchar um triângulo. Crescia um ódio, que, estranhamente, crescia contra si, contra a Clara que odiava. O ódio reluziu a faca da cozinha, mais uma vez guardado silencioso na gaveta da pia. “Tudo vai ficar bem!”. Como Bárbara reagiria em uma situação assim? Limpou a mesa do café. Agora seria somente ele a se sentar àquela mesa (...). E metade de sua vida que seria jogada no lixo junto com os farelos e a casca do mamão papaia. Queria se afundar naquela manhã e nunca mais sair daquela cozinha. Como Bárbara reagiria em seu lugar? E se fechasse os olhos e acordasse daquele pesadelo? Poderia ser um equivocado sonho, a sua vida, e a partir daquele momento ela acordasse outro. Com terror olhou ao seu redor. Finalmente chorou.”(pg 6).
Com detalhes do dia, estilos, comidas; Clara que ora parece ser Bárbara, vai remoendo intenções, produzindo querelas, insinuando desarranjos existenciais, perdida, jogo de revela-e-esconde, feito ainda assim um dicionário fragmentado de leituras, mágoas, implicações, inseguranças e estados quizilentos. Eis a mulher. Eis a personagem de um mundo real retratado com gabarito na obra. Estamos todos bem? Periga ver. Um paradoxo? Uma ironia. O que é que mora no final feliz ou infeliz de uma vida, uma obra? Como é que você pode querer que uma mulher exista magistralmente sem ruminar o verbo viver? Pois é.
“Não, Rita, Clarinha está triste, estou certo? Claríssima. Na realidade, Clara é um tanto narcisista para apreciar à Vera a música. Só o seu reflexo no espelho interessa, nada mais. Uma romântica. Na realidade, a verdadeira louca da casa” (pg 15).
Estados de delírios. Perversões, implicações sexistas, segredos e insinuações, a ópera bufa de vidas em descontinuidades, perdas & danos, anotações, esnobismos, estragos, rugas, animais e máscaras, palavras que parecem soltas, desgraças, livros de anotações, vaidades, fugas, uma nebulosa Clara se apagando, incompleta, feito uma Penólope a desconstruir e criar desenredos, o quase objetivo, o quase amante, o quase ensaio no abrir-se de janelas, sentir a dor do outro, sonhos, ilusões perdidas, se matar, a lógica do que não há mais parece; cervejas geladas...
ESTAMOS TODOS BEM tem uma coragem crua no criar, no mostrar a própria capacidade da autora letrada a tentar um estilo novo, inventar, ousar, sair-se de si, saindo-se bem e criando um belo livro que está pronto sim para ser editado e fazer sucesso. A autora muito bem explora comportamentos humanos (alguns demasiado humanos porque dilaceram intenções), urbanos, sociais, sem ser muito romântica e algo de realmente algo Neo-realista em conturbadas relações de aproximações ou ilhamentos, com ações que se sucedem, citações, distinções, conectando situações que puxam eios, vão e voltam, se reafirmam, endossam o que se seguirá. Escrever é saber delinear parágrafos, nutrir sentimentos, sustentar situações. Vera Helena Rossi manja de estilo e tem a arte de bem palavrear e tornar notável o que parecia ser rotina e até mesmo é, de onde ela desencrava rostos, ritos, trilhas, edições de. A Clara que é Bárbara que é mãe de Bárbara que é primeiro de abril (mentira!), que é Penélope que é uma cria entre Pedros, Lisandros, homens, nomes; estamos todos bem? Há parafusos soltos, doida de pedra quem é, quem não é, quem não parece ou se parece? Formigas. Fred. Rita. Corpo. Copo. Cópulas. E toma Lisandro, Sandra, Rafael, mais ilações plantadas, alusões bem colocadas, entre Alfredos (roupas ocultas que marcam máscaras), Glórias, Albertos, então pré-memórias, pós-intenções, flagramentos: admiravel gado urbano. E ainda Herchcovitch, Camus, Ulisses, Eça, Lispector (fígados); recompostas as biles somos todos parecidos, marcados, gente-humana (humana?) rebocadas por demãos de sensibilidades, ironias, paradoxos e olhares que pulsam; de tudo há um tomo, um naco, um gomo. De perto ninguém é normal? Vera Helena Rossi dá de comer muito bem à literatura que cria de sua envergadura.
“Estamos Todos Bem” é um instigante romance que tem tudo para virar um clássico. Há vida inteligente nos departamentos editoriais de alguma editora de visão?
-0-
Silas Correa Leite, Santa Itararé das Letras, SP - Escritor, autor de Porta-Lapsos, Poemas, e Campo de Trigo Com Corvos, contos, à venda no site www.livrariacultura.com.br – Blogue: www.portas-lapsos.zip.net

ESTAMOS TODOS BEM, Romance Inédito de Vera Helena Rossi

Pequena Resenha Crítica

ESTAMOS TODOS BEM, Provocante Romance de Vera Helena Rossi


“Todas as vidas dentro de mim/Na minha
Vida/A vida mera das obscuras...”

Cora Coralina, Todas as Vidas


Nunca tinha recebido um livro para ser resenhado que ainda fosse inédito, quero dizer, xerocopiado, formatado, encadernado, não necessariamente nessa ordem, quero dizer, mas não editado ainda... O inédito Romance ESTAMOS TODOS BEM, 115 páginas, de Vera Helena Rossi, site Palimpsesto – http://verahelena.blogspot.com/ eu soube por intermédio do site Cronópios no qual colaboro regularmente, tendo sabido a autora elogiada em espanhol por Pedro Amorosos Juan no site http://pedrosoamoros.blospto.com e que da obra, num enunciado inicial, no link da obra diz:

“Una mujer toma café en la cocina mientras siente “na boca do estômago a bílis ácida da separaçâo”. Piensa en la despedida de su marido y le vienen a la memoria el Réquiem de Mozart y la Novena Sinfonía de Beethoven. Así se inicia Estamos todos bem, la sugerente y, en ocasiones, desconcertante - por la variedad de registros que manej a- novela de la escritora brasileña Vera Helena Rossi. Estamos todos bem cuenta el proceso de degradación mental de una aspirante a escritora, los diferentes caminos – el azar, las circunstancias adversas - que la conducen a la locura (no es casualidad que la palabra “louca” se repita con frecuencia en la parte final del relato). La protagonista – inolvidable por otra parte- de la historia es Clara Pereira, una joven escritora de 33 años (una cifra mágica y simbólica que tiene resonancias religiosas tal como se pone en evidencia en el tramo final de la narración, cuando el proceso de degeneración mental de Clara resulta imparable) que, abandonada por su marido, lleva una patética vida. Solitaria, soñadora, obsesionada por la belleza de las palabras y de las cosas, Clara es una romántica que adora la filosofía y escribe en sus ratos libres un Livro de Anotaçôes Inúteis, una especie de diario sobre la soledad y la infelicidad - trasunto emocional de la situación que vive la protagonista y cuyo personaje principal es la homérica Penélope -, en el que se entremezclan curiosas definiciones lingüísticas en una suerte de “diccionario fragmentado”.

Curioso por saber do livro e a partir do elogio de qualidade do escritor espanhol, escrevi à autora pedindo o livro para ler e assim também poder tentar manifestar minha opinião a respeito, conferir, claro. Depois de tantos percalços pessoais e tendo ainda e outras obras para opinar a criticamente a respeito, finalmente tomei pé do livro ESTAMOS TODOS BEM, começando a ler aos poucos. Logo de cara fiquei surpreso pela escrita de qualidade da autora, impressionado, depois de ver a obra se assomando caí de fio a pavio, de cabo a rabo na leitura, e, confesso que gostei do romance bonito, bem construído, medida as experimentações do contexto, as intertextualidades pertinentes, até porque a autora, falando sério, é Mestre em Literatura e Critica Literária pela PUC, doutoranda em Comunicação e Semiótica também pela PUC – SP, além de ter participações na Revista Língua Portuguesa (ver Carlos Drummond de Andrade, matéria capa da edição de setembro de 2007 e 80 anos de Macunaíma, matéria capa de abril de 2008).
A personagem principal, Clara Pereira, ao contrário do que o nome diz, na verdade é muito confusa, e assim vai pontuando o romance com suas neuras, seqüelas, até mesmo certa desconstrução moral, narrando os dissabores urbanos do dia-a-dia, estando o livro nesse diapasão, desde a paixão da personagem, o envolvimento com Bárbara – às vezes não se sabe quem é uma e quem é outra – ainda assim e por isso mesmo uma louca da pá virada, cervejóloga, amealhando destemperos, fissuras, divagações, estados oníricos aqui e ali, numa personagem que vai e volta nesse círculo vicioso inclusive narrativo e que às vezes também “viaja” muito além dos sentidos, com a escrita sendo interessante nesse propósito, ora uma romântica, ora uma feminilidade conturbada, confrontando interesses, estados de animus e outras intimidades insinuadas ou curto e grosso reveladas.
ESTAMOS TODOS BEM invocam os mistérios de uma vida exposta, angústias de uma mulher moderna, desesperanças, vontades íntimas, a descoberta de sentimentos, arrebentações, seduções, triângulos ocasionais, feito um inventário de um contemporâneo mundo-mulher, em que a feminilidade aqui e ali se desarranja, como ora se recompõe, onde há conflitos de interesses, a própria cruz da personagem principal que é arrumar gavetas (interiores) dos outros, peça por peça, como se quisesse, por assim dizer e por si mesma, acertar suas contas pessoais com a vida, com as etiquetas sociais, as regras e convenções que veste, despe, ora significando alguma coisa, ou muito pelo contrário, ora não tem profundidade, mas pontua a invocação de prisma, dá uma metáfora à vida amarrada de uma mulher moderna caindo em si e às vezes se perdendo de si. Entre um dia e outro, agressões, buscas, perdas, tiros, vinganças, orquestrações, amarras e disparates de perdas emocionais, a louca mulher procurando porto e, assim e por isso mesma, bebendo, fugindo, arrumando no outro o que não revela em si mesma ou não tem conserto. Ser mulher, afinal, nesses nossos tempos pós-modernos, à que será que se destina? Caetanear.
O mundo está perdido e a mulher está nesse contexto. A grande metrópole de estados vazios de alma. A autora analisando (-se?) o estágio de uma mulher carente, o diálogo entre gêneros, o poder da metáfora e mesmo a possibilidade de muitas leituras, o tácito, o que quer dizer e não diz, o que explicita em cena aberta e o que cala veladamente sempre nas reticências do que pode vir a ser e é ou não é. Com qualidade a autora Vera Helena Rossi ventila o calvário de Clara não tão clara assim no desperdício de dias, relações, conflitos, sentimentos, perdas, resgates e insanidades de percurso. Sobreviver é preciso? Nem tanto. Pode ser impreciso.
“Lá ia ele, a desmanchar um triângulo. Crescia um ódio, que, estranhamente, crescia contra si, contra a Clara que odiava. O ódio reluziu a faca da cozinha, mais uma vez guardado silencioso na gaveta da pia. “Tudo vai ficar bem!”. Como Bárbara reagiria em uma situação assim? Limpou a mesa do café. Agora seria somente ele a se sentar àquela mesa (...). E metade de sua vida que seria jogada no lixo junto com os farelos e a casca do mamão papaia. Queria se afundar naquela manhã e nunca mais sair daquela cozinha. Como Bárbara reagiria em seu lugar? E se fechasse os olhos e acordasse daquele pesadelo? Poderia ser um equivocado sonho, a sua vida, e a partir daquele momento ela acordasse outro. Com terror olhou ao seu redor. Finalmente chorou.”(pg 6).
Com detalhes do dia, estilos, comidas; Clara que ora parece ser Bárbara, vai remoendo intenções, produzindo querelas, insinuando desarranjos existenciais, perdida, jogo de revela-e-esconde, feito ainda assim um dicionário fragmentado de leituras, mágoas, implicações, inseguranças e estados quizilentos. Eis a mulher. Eis a personagem de um mundo real retratado com gabarito na obra. Estamos todos bem? Periga ver. Um paradoxo? Uma ironia. O que é que mora no final feliz ou infeliz de uma vida, uma obra? Como é que você pode querer que uma mulher exista magistralmente sem ruminar o verbo viver? Pois é.
“Não, Rita, Clarinha está triste, estou certo? Claríssima. Na realidade, Clara é um tanto narcisista para apreciar à Vera a música. Só o seu reflexo no espelho interessa, nada mais. Uma romântica. Na realidade, a verdadeira louca da casa” (pg 15).
Estados de delírios. Perversões, implicações sexistas, segredos e insinuações, a ópera bufa de vidas em descontinuidades, perdas & danos, anotações, esnobismos, estragos, rugas, animais e máscaras, palavras que parecem soltas, desgraças, livros de anotações, vaidades, fugas, uma nebulosa Clara se apagando, incompleta, feito uma Penólope a desconstruir e criar desenredos, o quase objetivo, o quase amante, o quase ensaio no abrir-se de janelas, sentir a dor do outro, sonhos, ilusões perdidas, se matar, a lógica do que não há mais parece; cervejas geladas...
ESTAMOS TODOS BEM tem uma coragem crua no criar, no mostrar a própria capacidade da autora letrada a tentar um estilo novo, inventar, ousar, sair-se de si, saindo-se bem e criando um belo livro que está pronto sim para ser editado e fazer sucesso. A autora muito bem explora comportamentos humanos (alguns demasiado humanos porque dilaceram intenções), urbanos, sociais, sem ser muito romântica e algo de realmente algo Neo-realista em conturbadas relações de aproximações ou ilhamentos, com ações que se sucedem, citações, distinções, conectando situações que puxam eios, vão e voltam, se reafirmam, endossam o que se seguirá. Escrever é saber delinear parágrafos, nutrir sentimentos, sustentar situações. Vera Helena Rossi manja de estilo e tem a arte de bem palavrear e tornar notável o que parecia ser rotina e até mesmo é, de onde ela desencrava rostos, ritos, trilhas, edições de. A Clara que é Bárbara que é mãe de Bárbara que é primeiro de abril (mentira!), que é Penélope que é uma cria entre Pedros, Lisandros, homens, nomes; estamos todos bem? Há parafusos soltos, doida de pedra quem é, quem não é, quem não parece ou se parece? Formigas. Fred. Rita. Corpo. Copo. Cópulas. E toma Lisandro, Sandra, Rafael, mais ilações plantadas, alusões bem colocadas, entre Alfredos (roupas ocultas que marcam máscaras), Glórias, Albertos, então pré-memórias, pós-intenções, flagramentos: admiravel gado urbano. E ainda Herchcovitch, Camus, Ulisses, Eça, Lispector (fígados); recompostas as biles somos todos parecidos, marcados, gente-humana (humana?) rebocadas por demãos de sensibilidades, ironias, paradoxos e olhares que pulsam; de tudo há um tomo, um naco, um gomo. De perto ninguém é normal? Vera Helena Rossi dá de comer muito bem à literatura que cria de sua envergadura.
“Estamos Todos Bem” é um instigante romance que tem tudo para virar um clássico. Há vida inteligente nos departamentos editoriais de alguma editora de visão?
-0-
Silas Correa Leite, Santa Itararé das Letras, SP - Escritor, autor de Porta-Lapsos, Poemas, e Campo de Trigo Com Corvos, contos, à venda no site www.livrariacultura.com.br – Blogue: www.portas-lapsos.zip.net

domingo, 7 de março de 2010

Vacas no Céu do Interior, Livro de Poemas de Ari Marinho Bueno




Pequena Resenha crítica


Livro de Poemas “Vacas no Céu do Interior” de Ari Marinho Bueno



Não era para eu ler esse livro, eu não estava nem aqui, não estava previsto, fora de contexto, aliás, a bem da verdade, esse livro me assustou quando as “Vacas (Poemas!) Do Interior” caíram em minhas mãos de sentidor de uma urbe desvairada S/A, aliás, a bem da verdade, falando sério, VACAS NO CÉU DO INTERIOR (Editora Scortecci, SP) nem era para ter sido escrito. Será o impossível? Como é que pode?

Escrito? Pode ser. Vamos por parte, por pactos, por sentições. Disse. Isso. Que loucura gente-humana. Poemas nada em linhas retas, poemas como as bandeiras de VOLPI, soltos amiúde, dando o que pensar, captar, sentir, ralar no tácito. Perigas ler. Havemos de senti-los... Tudo tem a forma de poesia pura.

Nunca gostei de poetas que escrevem em linhas nada lineares, mas quando li a poesia exuberante de Ari Marinho Bueno capitulei, claro. Arquibaldo Luiz de Oliveira Filho, bacharel em Letras que orelhou o livro, termina a apresentação do autor altamente criativo dizendo que não há impunidade na poesia, nem para o poeta, nem para o leitor. Senti firmeza. É por aí...

Fui abduzido. “Na roça minha mãe enxugava o suor/Do rosto com as palmas das mãos/Diz que era pra não criar calos/A pele sempre fina e macia/Mas era pra não machucar os filhos(...)” – in pg 13, Vívidas.

Os poemas em linhas retas avacalham a estética gráfica e, feito twitter-poeminhos (poemaços) encurtam pavios nada lineares.

I
POVO em as ruas é coisa que não passa: leva
BEM PRA LONGE O FIO-DA-MEADA

(pg 19, sem título, fragmento)

Escutem (leiam) esse achado-pérola rara:

NA
VOCÊ
A HOMEM

O MULHER
NO
MIM

ATÉ
QUE
ENFIM

NÓS
QUATRO
A SÓS

.....................................................................................Lindo! – Bravo!


(! penso eu lendo as Vacas no Céu do Interior:)

Poemas, eu vos leio-vejo. “Respeitas o rude do Concreto?” (pg 23, Catequese do Alegre Plagiador)

Os poemas de Ari Marinho Bueno ins-piram, cobram, desfocam, alardeiam, sugerem, cutucam, instigam, bagunçam o coreto e dizem os veios do poetaço que os enredou, ele mesmo. Irônicos, tristes, alegres, rudes-bonitos, salpicantes (sangue, suor e lágrimas...)

Saquem esse: “O poeta não quer mais saber o porquê/O estupefato que não se afeiçoa/Que não se preza a razão/De um qualquer avanço cataclísmico;/Tsunamis, tornados, manadas de búfalos, enchentes, vá lá, estourou de balcões em festa de aniversário”

Fui pego pela palavra, quero dizer, pego pela poesia?

OU, o haiquase:

boi no pasto
estou contigo
e não abro

Ari Marinho Bueno dá de comer ao poema (citando Murilo Mendes), dá a sua ração de amor, horror, dor, estertor – olhares significativos para poemas cascalhados da vida/morte/sobrevivência (inclusive no sensível dele, ave césio).

Ari com Vacas clareia a poesia. Sorte nossa. E por agora chega. Vão a cata do livro com labiriscas pungentes. Ainda estou abalando com a maravilhante poética dele.

-0-

Silas Correa Leite
www.portas-lapsos.zip.net
E-mail: poesilas@terra.com.br

segunda-feira, 1 de março de 2010

Livro de Contos "Ideias Noturnas" de Eduardo Sabino




Pequena Resenha Crítica

“Ideias Noturnas - Sobre a Grandeza dos Dias”, Livro de Contos de Eduardo Sabino

“O dia-a-dia não precisa ser extraordinário para
ser interessante. O cotidiano é riquíssimo de assuntos
e acontecências de toda espécie – fora e dentro da gente.
É só ficar com as antenas ligadas – as antenas da
curiosidade dos sentidos e dos sentimentos, de
senso critico, de senso poético, sem
esquecer do importantíssimo e
indispensável senso de humor”

Tatiana Belinsky

Você não consegue ler o livro de Contos “Idéias Noturnas” (Editora Novo Século, SP, 2009, 120 páginas, Série Novos Talentos da Literatura Brasileira) de uma só levada, a um só termo. Você é inesperadamente surpreendido na pegada de lê-lo e saber que tem que respirar a leitura, de alguma forma por si mesmo e de per-si, pontuando-a. Parar. Stop. Voltar a tomar pé e pulso no verbo ler. Reler. Porque cada vez que sondando antevê, “pensa” que é, que sonda o arremedo narrativo do devir, o tema e o andamento, mas tudo o que sentia parecer na verdade não é. Contos incomuns, algo (raros) estranhos, por assim dizer como elogio. Tiram você da lerdeza do ler puro e simples para uma sentição do que lê e admira. Grandeza dos Dias? Dos escritos também.

Os contos de Eduardo Sabino são claramente (literalmente) diferenciados. Escreve com uma boniteza que reveste a surpresa da contação em agradável prazer de leitura. Já ganhador de Concurso, participante de antologias, colaborando com veículos de comunicação, inclusive sites, é também editor da revista eletrônica “Caosletras.blogspot.com”. Nasceu em 1986, e, sendo tão novo e tão bom, denso, contundente que seja, é encanto gratificante sabê-lo e conhecer desenhos da escrita dele nesse novo livro de contos.

Otimamente bem Prefaciado por Rinaldo de Fernandes, que dele aponta com conhecimento de causa: “O protagonista do conto (Purgatório, pg 25) está entre o sonho e a realidade de um cotidiano desbotado(...). A vida eterna não nos resolve a angústia de viver (Eternas Angústias de um Imortal, pg 29)(...). Os contos de Eduardo Sabino, irônicos e intensos, com personagens angustiados, alguns à borda do desespero, não raro flagrados em situação de pobreza(...)”. Pois é, ironias, seres (quase-seres/sub-seres), animais, máscaras, monstros, vírus, loucuras... baratas. Doce Lar? Não há nexo na vida real.

Purgatório é sim, um conto sobre um “ser” urbanóide no entre-subsolo de um elevador; sobe, desce, lamurias, contemplações, martírios; reinando. O ser que incabe em si. Desconexões. Vazios. Impertinências (e um olhar ferino) do escritor retratando o ser de si no que vê, sente, repagina; em páginas de restos até porventura rotos que assim sejam. O olhar aproximando da trajetória alheia. “Todos abençoados porque estão vivos. Abençoados porque morrerão” (pg 31). Santo Deus!

Abismo (pg 33) uma das melhores criações do livro. Linda ficção. O abismo é viver; que é ser feliz, que é (talvez?) a própria estupidez de tentar ser Ser... A retina do escritor reformatando aspectos invisíveis, risíveis, verossímeis... criados, imaginários; resgatados também da rudeza dos dias... Sim, diz Eduardo Sabino, é preciso estar muito próximo para conversar a língua do olhar. (Céu Aberto, pg 49). Um roteador de sombras, como um eu-endereço-de-mim, em mim e no outro. “La Sombra”, belo conto, pg. 53, especifica o norte (mote?), o estilo: “La Sombra, a essas alturas um vulto com olhos amarelos e fiapos de cabelo, sugeriu que poderia haver uma esperança se os outros enxergassem melhor o que achavam tratar de meros contornos desprovidos de luz(...).

Eduardo Sabino joga luzes letrais em contornos que redescobre, pincela, amalgamado capta nuances, enlivra desafetos afins, defeitos de fabricação do humanus. De heróis a anônimos, povoando a criação (O Herói e o Escuro, pg 57) a situações-conflitos, rostos e trevas, ideias verbais (aqui noturnizadas). Seres?. Retratando tristezas que nascem e morrem a cada dia. What a Wonderful World?

Banzo (pg 75) emociona, cala fundo. Dói no literal. O melhor dos trabalhos. E por aí vai, O Inquilino, O Jardim Encantado, e outros tantos do mesmo gabarito. Eduardo Sabino relata aspectos (de condições humanas) entre espectros sub-existenciais até. De se ler com prazer, mais, entrar na alma da contação, satisfazer-se, sendo a leitura de “Idéias Noturnas” um imenso (muito) prazer. É o autor com talento dando voz aos desvalidos, aos tantos instantes-trevas da vida, inclusive a fragmentos de vidas retorcidas. Senti-las é isso. Escrever sobre elas, dando peso e fermento; purgações, coisa de quem está fazendo muito bem o que se propõe. In/purezas no pântano da condição humana? O criador se encontra no(a) self?

Nesses tenebrosos dias em que ando muito triste sozinho, escrevendo na pele do espírito a dor de um momento difícil, nervos frágeis à flor da pele, a leitura circunstancial do livro colocou um (algum) certo sentir novo (e revisitado no íntimo) em mim, como se tudo fosse mesmo só isso, cara pálida, nascer, sobreviver, morrer, no durante contorcer-se com a nossa dor, a dor dos outros, e, ainda assim e por isso mesmo captar a grandeza dos dias. Será o impossível? Tudo a Ser.

Entrar no mundo criacional de Eduardo Sabino é ter a sensação de que se lê uma história que nasceu por si mesma, em si mesma, como referendou Julio Cortazar. E assim Eduardo Sabino acertou em cheio, acertou a mão. É do ramo e muito bem conhece do oficio e da linguagem de. Contos para se ler com o olhar, afinando-se na riqueza de quem sabe dar vazão a querelas talvez corriqueiras que parecem sair da esquina do olhar; de um beiço de vida, num clarear de tardes e pertencimentos de seres que também são a nossa cara, pois a existêncialização não é nem uma herança e nem uma evolução apenas, mas, um certo modo de nos envolvermos com o sentido social-comunitário de nos fazermos em cada natureza de criadores e criaturas, feito espécies assim de “antenas” (parabolizadas) de nosso tempo, registrando tudo, doa a quem doer, custe o que custar. E dói muito mais em nós, sentidores, entre prismas e colchas de retalhos com sabenças sensíveis de foro íntimo. Goethe diz que “qualquer coisa que formos capaz de fazermos ou que sonhamos que somos capazes, devemos começar a fazer, pois a coragem traz consigo gênio, poder e magia”.

“Idéias Noturnas” é a magnitude de tudo isso e um rebite a mais. Sintam-se humanóides. Bem-vindos ao mundo literário de Eduardo Sabino e suas fragrâncias de dias cheio de ideias literariamente clarificadas.
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Silas Correa Leite – Santa Itararé das Artes, SP, Brasil
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Autor de CAMPO DE TRIGO COM CORVOS, Contos, Editora Design, SC